terça-feira, 13 de abril de 2010

PIG e torturadores, relação íntima íntima e antiga

Compartilho com vocês matéria publicada no A Verdade.

A matéria é oportuna não só pelo tema mas, principalmente, porque esta semana o STF votará a arguição de Fabio Konder Comparato sobre se a lei de anistia contempla ou não os torturadores da ditadura.

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Brasil : Torturadores e grande mídia contra os direitos humanos
em 19/02/2010

No dia 21 de dezembro de 2009 por meio do decreto nº 7.037 foi aprovado o Terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos, o PNDH3. Desde então, esse plano vem sofrendo diversos ataques por parte da direita em todo o país.

A razão para isso é clara: esse é o PNDH mais avançado já aprovado pelo Governo Federal, pois foi fruto de diversas conferências e discussões entre os movimentos sociais e a população. O projeto avança em diversos eixos, aprofundando o debate dos direitos da mulher e prevendo além de medidas educativas com relação à sexualidade, a legalização do aborto, por exemplo, e trata da taxação das grandes fortunas, prevista na Constituição de 1988, mas nunca regulamentada.

Os comandos militares se articularam imediatamente e pressionaram para que fosse retirada do texto a expressão “repressão política”. O ministro da Defesa, Nélson Jobim, alinhou-se com eles e ameaçou renunciar ao cargo juntamente com os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, caso não houvesse a alteração. O presidente Lula recuou e a expressão foi substituída por conflitos políticos, no trecho que determina a instituição da Comissão Nacional da Verdade, para examinar as violações de direitos humanos no contesto da repressão política.

Dito desse modo, colocam-se em pé de igualdade os agentes da ditadura militar e os militantes de esquerda que lutaram contra ela, o que é um absurdo. Como expressa o chargista Latuff, em Carta Capital, nº 579, janeiro/2010: “Militantes de esquerda: presos, torturados, desaparecidos, executados. Militares torturadores: não foram presos, não foram torturados, não tiveram desaparecidos, não foram executados”. E então? Desabafa o jurista Fábio Konder Comparato, professor emérito da USP: “Seguindo seus hábitos consolidados, o presidente resolveu abafar as disputas e negociar um acordo. Ele esqueceu-se, porém, de que nenhum acordo político decente pode ser feito à custa da dignidade da pessoa humana”.

Mas outros pontos do decreto provocam o repúdio da burguesia e da grande mídia. O projeto avança principalmente na questão da liberdade de imprensa, entendendo que democracia passa por impedir o monopólio das comunicações, no tratamento às questões relativas à luta por terra e reforma agrária e à questão do direito à memória, à verdade e à justiça.

Vamos aos ataques: a imprensa anda dizendo que a censura vai voltar, que querer punir os torturadores é revanchismo, que na verdade o plano é um “roteiro para a implantação de um regime autoritário” (editorial do Estadão) de “comunistas” para “invadirem terras” e não serem punidos por seus “crimes” durante a ditadura militar.

Mas como a criação de um marco legal que estabelece que o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de rádio e televisão é condição para sua renovação e continuidade pode voltar com a censura ao país? Como avançar na regularização das rádios comunitárias e promover incentivos para que se afirmem pode trazer de volta a censura ao país? Como facilitar o acesso de pessoas com deficiência sensorial à programação em todos os meios de comunicação e informação pode fazer a censura voltar ao país?

Como incentivar a produção de filmes, vídeos, áudios e similares, voltada para a educação em Direitos Humanos e que reconstrua a história recente do autoritarismo no Brasil pode voltar com a censura ao país?

Será que na verdade censura não é o que se vê hoje: de um lado os grandes meios de comunicação controlados pela burguesia e de outro as iniciativas alternativas de imprensa popular como rádio favela, panfletos e o próprio jornal A Verdade que lutam contra a repressão e as dificuldades financeiras para se manterem firmes dia após dia?

O Plano nem ao menos cita a Reforma Agrária e os latifundiários já fazem todo esse barulho?! Será que criar um marco legal para a prevenção e mediação de conflitos fundiários urbanos, garantindo o devido processo legal e a função social da propriedade ou propor um projeto de lei destinado a regulamentar o cumprimento de mandados de reintegração de posse muda muita coisa na questão latifundiária no país?

Pelo direito à memória e à verdade

E o mais importante: que crime cometeram aqueles que lutaram contra a ditadura militar? O crime de sonhar com liberdade, com um mundo melhor e mais justo? De pegar em armas e dar suas vidas pela realização desse sonho? E quantos aparelhos de tortura esses jovens criaram? Quantas mulheres eles estupraram? Quantos corpos escondidos são de sua responsabilidade?

E desde quando cobrar que os responsáveis por um crime sejam punidos é revanchismo? É revanchismo punir assassinos? Torturadores? Estupradores? Sequestradores? É revanchismo querer saber mais sobre a história de seu país ou sobre a participação de um ente querido nela? Saber quem matou, porque não foi possível enterrá-lo e querer que os culpados sejam julgados?

A Comissão Nacional da Verdade proposta no Plano é mais um fruto da luta que vem arrancando vitórias desde 1982 com o pedido de apuração da Guerrilha do Araguaia, passando por 1995 com a Lei no 9.140/95, pela Medida Provisória no 2151-3 de 2001 que virou a Lei no 10.559 em 2002, chegando à condenação da União em 2003, à entrega dos arquivos da ditadura em 2005 e à ação civil contra militares em 2008, que nada mais são que ações de acordo com o art. 8o do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição de 1988, que previa a concessão de anistia aos que foram perseguidos em decorrência de sua oposição política.

A luta pela punição dos torturadores não é uma luta nova, muito menos uma luta que se baseia só no passado, mas também no presente, visto que essas práticas continuam a existir em nosso país. É a luta para viver em um país em que a tortura não seja impune, o assassinato não seja impune, o estupro não seja impune, a estupidez não seja impune. Um país em que essas ações não sejam respaldadas pelo governo.

Manifestações se espalham no Brasil

Diante da reação dos setores conservadores, especialmente, dos latifundiários e do agronegócio, e dos ataques da mídia, as entidades da sociedade civil e os movimentos pelos direitos humanos reuniram-se em vários estados. Em Minas Gerais, a reunião ocorreu no Sindicato dos Jornalistas e contou com cerca de 80 pessoas, que debateram promover uma campanha de esclarecimentos e defesa do PNDH 3 e pressionar o governo federal para respeitar a proposta, sem alterações no conteúdo de seu texto.

Manifestações em defesa do PNDH3 têm ocorrido em todo o país, como em Goiás, Rio e São Paulo, no dia 14 de janeiro. No dia 15 foi a vez de Belo Horizonte, com diversas entidades reunidas na Praça Sete, para divulgar o Plano e esclarecer a população sobre os ataques da mídia. O Movimento em Minas também lançará um manifesto em defesa da Comissão Nacional da Verdade e mantém um fórum permanente de discussões e encontros para debater o tema.

Líderes civis e religiosos têm participado desses atos, a exemplo do vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, Marcelo Zelic, que disse: “Lula recuou num assunto em que não se pode dar um passo sequer atrás. Se ele (o presidente) não cuidar bem desse anteprojeto, não só pode fazer um movimento errado dentro do governo como aumentar ainda mais a sensação de impunidade que já é grande nesse país”. José Augusto Camargo. Presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, declarou: “Essa reação contrária só demonstra a intransigência de certos grupos em debater o tema”. Enfatizando a questão da perseguição religiosa no Brasil, a diretora do Departamento de Matrizes Africanas, afirmou que qualquer apoio a “atos sombrios” pode aumentar a violência, e acrescentou: “Acredito que Lula está tomando decisões como presidente e não no papel de cidadão. Porque se ele tivesse uma pessoa desaparecida ou torturada na família, certamente não recuaria um milímetro sequer para trazer a verdade à tona”.

Várias manifestações ainda deverão ocorrer, e o que fica claro após tanto escândalo diante do Plano é que os verdadeiros avanços sociais: Reforma Agrária, educação para todos, democracia para os trabalhadores, só serão conquistados com a luta do povo.

Luanna Grammont e Redação

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