terça-feira, 27 de abril de 2010

Miguel Carter: Lula optou por evitar atritos com a elite rural



Miguel Carter, professor da American University, deu entrevista ao portal Brasil de Fato e afirma que a estagnação nas políticas de reforma agrária reflete a derrota de um projeto progressista para o campo.

Entrevista a Eduardo Sales de Lima

Da redação

Integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realizam, neste mês, uma série de manifestações pela Jornada Nacional de Lutas por Reforma Agrária.

Os camponeses cobram o cumprimento dos compromissos assumidos pelo governo federal durante a jornada realizada em agosto do ano passado.

Na época, o governo se comprometeu a assinar a portaria que revisa os índices de produtividade e a investir R$ 460 milhões na desapropriação de latifúndios.

A atualização da portaria, no entanto, não ocorreu, e nem a destinação dos recursos para desapropriações e assentamento de famílias.

Para o professor da American University Miguel Carter, a estagnação nas políticas de reforma agrária reflete a derrota de um projeto progressista para o campo.


Para ele, o governo Lula tentou conciliar dois modelos agrícolas, mas sucumbiu à expansão do agronegócio, ao poder da bancada ruralista no Congresso Nacional e ao impacto dos grandes meios de comunicação no ataque à reforma agrária e seus defensores.

"Lula optou por evitar atritos com a elite rural. Manteve o status quo e limitou-se em apoiar uma reforma agrária conservadora - contida, reativa, feita sob pressão social, num processo administrativo lento e enrolado, que favorece a distribuição residual de terras", afirma.

Carter é organizador do livro: "Combatendo a Desigualdade Social: O MST e a reforma agrária no Brasil", que investiga as causas da desigualdade da estrutura fundiária brasileira e suas conseqüências, assim como as reações populares a essa situação.

Em entrevista ao Brasil de Fato, ele fala sobre os ataques dos setores conservadores contra a implementação da reforma agrária no país e os desafios para agregar mais força à luta dos camponeses.



BF Qual foi o significado dos dois mandatos do governo Lula para um projeto popular de reforma agrária?

MC O projeto em favor de uma reforma agrária progressista foi derrotado já no primeiro mandato do governo Lula. Foi a terceira grande derrota desse projeto na história do país. A primeira se deu com o golpe militar de 1964. A segunda com o fracasso do plano de reforma agrária lançado em 1985, no inicio da Nova República. A terceira se viu frustrada durante a presidência de Lula, eleito sob a promessa histórica do PT de impulsionar uma ampla redistribuição fundiária.

Essa derrota reflete, antes de tudo, uma correlação de forças muito adversa à realização de uma reforma agrária progressista. Essa reforma poderia ter utilizado diversos instrumentos legais para promover a agricultura camponesa e a transformação das relações de poder no campo. Segundo o Censo Agropecuário, a agricultura camponesa emprega 80% da mão de obra rural, produz a maior parte dos alimentos consumidos no Brasil, mas ocupa só um quarto do território agrícola no país. No entanto, o governo Lula manteve os enormes subsídios públicos voltados para o agronegócio, que recebeu sete vezes mais o valor oferecido aos pequenos agricultores.


O governo Lula achou que podia conciliar os dois modelos agrícolas. Mas herdou um Estado que há séculos vinha protegendo os interesses da elite agrária, de modo especial via o Poder Judiciário e as forças policiais. A esses obstáculos históricos, se soma a forte expansão do agronegócio na última década, a influência da bancada ruralista no Congresso Nacional, e o impacto dos grandes meios de comunicação no ataque à reforma agrária e seus defensores. Diante esse panorama, Lula optou por evitar atritos com a elite rural. Manteve o status quo e limitou-se em apoiar uma reforma agrária conservadora - contida, reativa, feita sob pressão social, num processo administrativo lento e enrolado, que favorece a distribuição residual de terras.



BF Você acredita que, atualmente, o MST consegue dialogar com mais ênfase junto aos setores urbanos, com a intelectualidade e os sindicatos?

MC O MST vem dialogando com vários setores urbanos desde a sua origem. Essas relações têm sido fundamentais para o desenvolvimento de sua organização e capacidade de articulação com um amplo leque de aliados. Esse trabalho é um desafio constante.

Além de estender seu apoio aos movimentos de sem teto, o MST poderia estreitar seus laços com as associações estabelecidas nas favelas. Juntos, esses grupos populares poderiam fortalecer a luta pelos direitos humanos, contra a violência, a discriminação racial e a marginalização social.

Outro espaço de articulação com o meio urbano poderia envolver os consumidores da classe média e alta preocupados com a qualidade de seus alimentos e a ecologia. O MST poderia pegar boas idéias de autores como Michael Pollan ("O Dilema do Onívoro") e criar redes alternativas de comercialização de produtos agroecológicos junto a essa população e, assim, promover solidariedade às suas lutas.

Em tudo isso, acho vital empunhar a bandeira do combate à desigualdade social como condição necessária para a democratização do Brasil.



BF A elite agrária brasileira, por meio da CPI contra o MST, com objetivos eleitoreiros, tem conseguido abafar o processo, ainda que lento, de implementação da reforma agrária no Brasil?

MC As três CPIs instituídas contra do MST e seus parceiros nos últimos cinco anos refletem um esforço sistemático da elite agrária e seus aliados em criminalizar os movimentos populares no campo e eliminar a reforma agrária da agenda pública nacional. Isso se dá num contexto de ofensiva do capital financeiro e internacional no campo brasileiro, com grandes aquisições de terra e elevados investimentos para produzir etanol, celulose, soja e outros commodities agrícolas voltados para o mercado global. A luta camponesa pela reforma agrária atrapalha o esforço dos empresários do agronegócio em ampliar seu estoque de terra. Trata-se de uma disputa territorial, de classe e de modelo de desenvolvimento.

As CPIs do Congresso contra o MST, junto com diversas ações do judiciário, Ministério Público e Tribunal de Contas da União, mostram como a elite agrária e seus aliados têm conseguido se apropriar de instrumentos democráticos, instituídos na Constituição de 1988, para frear a democratização do Brasil e impedir a extensão e exercício de direitos básicos de cidadania.



Miguel Carter é professor da American University, em Washington, DC. Ele é doutor em Ciências Políticas pela Columbia University de New York e organizador do livro: "Combatendo a Desigualdade Social: O MST e a reforma agrária no Brasil" (São Paulo: Editora da UNESP, 2010).







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