quarta-feira, 14 de abril de 2010
O brilho eterno de Vladimir Maiakovski
A oitenta anos atrás, o mundo perdia um gênio. No dia 14 de outubro de 1930, poeta russo Vladimir Maiakovski interrompeu sua vida.
Maiakovski foi comunista de primeira hora. Apoiou a Revolução Bolchevique, trabalhou para os Correios Soviéticos e para a propaganda bolchevique antes e depois da Revolução de Outubro de 1917, escrevendo e desenhando.
A partir de 1926, Maiakovski e os dirigentes soviéticos passaram a divergir sobre o rumos das artes. No entando, tais divergências nunca alcançaram a essência do homem comprometido com a luta contra o capitalismo.
Seus cartazes abaixo dispensam tradução.
Em 1994, minha mãe participou da organização de um evento pela candidatura de Lula. A atividade reuniu muitos artistas de Santa Teresa, bairro onde cresci. Eu fiquei encarregado da filmagem. Teve uma poeta que entrou no palco sem estar na programação. Fiquei muito triste por não conseguir ligar a câmera a tempo. Ela recitou Maiakovski.
Anos mais tarde encontramos a fita. A sensação foi a mesmo de quando eu tinha 14 anos. Que raiva! Peguei o poema pela metade.
Mais alguns anos e eu tive novo contato com o mesmo poema. Olga, Camila Morgado, recita Maiakovski enquanto é torturada pelos nazistas no filme de Jayme Monjardim. Brilhar pra sempre, recita como uma oração onde ela pede forças.
A EXTRAORDINÁRIA AVENTURA VIVIDA POR VLADÍMIR MAIAKOVSKI NO VERÃO NA DATCHA
(Púchkino, monte Akula, datcha de Rumiántzev, a 27 verstas pela estrada de ferro de Iaroslávl)
A tarde ardia com cem sóis.
O verão rolava em julho.
O calor se enrolava no ar e nos lençóis da datcha onde eu estava.
Na colina de Púchkino, corcunda, o monte Akula,
e ao pé do monte a aldeia enruga a casa dos telhados.
E atrás da aldeia, um buraco e no buraco, todo dia, o mesmo ato:
O sol descia - lento e exato.
E de manhã, outra vez, por toda a parte lá estava o sol escarlate.
Dia após dia isto começou a irritar-me terrivelmente.
Um dia me enfureço a tal ponto que, de pavor, tudo empalidece.
E grito ao sol, de pronto:
- Desce!!! Chega de vadiar nessa fornalha!
E grito ao sol:
- Parasita! Você, aí, a flanar pelos ares, e eu, aqui, cheio de tinta, com a cara nos cartazes!
E grito ao sol:
- Espere! Ouça, topete de ouro, e se em lugar desse ocaso de paxá você baixar lá em casa para um chá?
Que mosca me mordeu!? É o meu fim!
Para mim sem perder tempo o sol alargando os raios-passos avança pelo campo.
Não quero mostrar medo.
Recuo para o quarto.
Seus olhos brilham no jardim.
Avançam mais.
Pelas janelas, pelas portas, pelas frestas, a massa solar vem abaixo e invade a minha casa.
Recobrando o fôlego, me diz o sol com voz de baixo:
- Pela primeira vez recolho o fogo, desde que o mundo foi criado.
Você me chamou? Apanhe o chá, pegue a compota, poeta!
Lágrimas na ponta dos olhos – o calor me fazia desvairar - eu lhe mostro o samovar:
- Pois bem, sente-se, astro!
Quem me mandou berrar ao sol, insolências sem conta?
Contrafeito, me sento numa ponta do banco e espero a conta com um frio no peito.
Mas uma estranha claridade fluía sobre o quarto e esquecendo os cuidados começo pouco a pouco a palestrar com o astro.
Falo disso e daquilo, como me cansa a Rosta, ect.
E o sol:
- Está certo, mas não se desgoste, não pinte as coisas tão pretas.
E eu? Você pensa que brilhar é fácil?
Prove, pra ver! Mas quando se começa é preciso prosseguir e a gente vai e brilha pra valer!
E o sol, por fim:
- Somos amigos pra sempre, eu de você, você de mim. Vamos poeta, cantar, luzir no lixo cinza do universo.
Eu verterei o meu sol e você o seu com seus versos.
Conversamos até a noite ou até o que, antes, eram trevas. Como falar, ali, de sombras?
Ficamos íntimos, os dois. Logo, com desassombro, estou batendo no seu ombro. O muro das sombras, prisão das trevas, desaba sob o obus dos nossos sóis de duas bocas.
Confusão de poesia e luz, chamas por toda a parte.
Se o sol se cansa e a noite lenta quer ir pra cama,
marmota sonolenta, eu, de repente, inflamo a minha flama e o dia fulge novamente.
Brilhar pra sempre, brilhar como um farol, brilhar com brilho eterno, gente é pra brilhar, que tudo mais vá pro inferno, este é o meu slogan e o do sol!!!!
1920
Maiakovski (trad. Augusto de Campos)
Datcha - casa de veraneio.2. Versta - medida itinerária equivalente a 1,067m.3. Rosta - A Agência Telegráfica Russa, para a qual Maiakovski executou cartazes satíricos de notícias - as "janelas" Rosta -, de 1919 a 1922.
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