segunda-feira, 14 de junho de 2010

Relatos de um brasileiro na Venezuela bolivariana - 6

Nonato e eu voltamos à aldeia. Não ouso ainda colher os cajus que encontramos no caminho. Ignoro ainda muitos códigos culturais do universo em que me encontro. Uma certa prudência se impõe.

O sol esqueceu sua clemência matinal. A terra queimada evoca ao primeiro olhar uma paisagem apocalíptica. As ervas secas se incendiaram e os ramalhetes outrora verdes se transformaram em montículos espalhados sobre um campo de cinzas.

O sol é uma pele de pachamama enferma cujas protuberâncias enegrecidas anunciam a crise terminal prevista por um profeta amargo de ilusões perdidas. No entanto... discretos galhos brotam das profundezas alimentados pelas forças laboriosas da vida, sustentadas por bilhões de microorganismos cooperantes. Os fulminantes raios do sol apenas os acariciam. Estas formas têm a doçura e a inocência das novas espécies destinadas a reinar sobre um planeta reconstituído. Esta resistência é a mesma que inspira nações autóctones a se afirmar contra o cinismo dos Estados gerados no ventre imundo do capitalismo. Estas flores do campo feridas pela seca me remetem aos versos de Drummond. O poeta contemplava uma flor que rompia o asfalto: feia, ignorada pelos dicionários, frágil de suas pétalas ainda fechadas, mas uma flor mesmo assim, uma flor.


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De volta à nossa aldeia, uma única idéia me obcecava: banhar-me nas águas do caño, o riacho que os autóctones diziam ser sagrado, pois suas águas provêm do Orenoco e transportam toda a sua magia. Nadia, Mario e Gilney nos esperavam com um café quentinho e todo o seu bom humor. Eles se haviam levantado antes de todo mundo para preparar as refeições do dia. Sua alegria em servir se renovaria a cada dia até nossa partida. David nos advertiu em tom solene.

"Nunca saiam durante a noite para urinar sem uma lanterna. Ontem à noite, eu quis me banhar, pois não aguentava mais de tanto calor. Uma das serpentes mais venenosas que conheço estava enrolada, bem no meio do caminho, pronta para atacar o primeiro que a incomodasse.”

Roberto acrescentou:

"E já que você falou em urinar, nunca façam isso no riacho. Não sabemos nada sobre a presença de candirus nessas águas. Esses peixes penetram o reto dos que urinam dentro d’água e as consequências em geral são fatais. A literatura médica só registra um caso de sobrevivência após um ataque desses peixes indecentes.”

Lavamos nossos corpos e nossas roupas sem sabão, obedecendo às consignas de nossos anfitriões autóctones. A pedido de Nonato, parti com David e Heitor para, em caso de necessidade, servir-lhes de intérprete no Infocentro, onde eles deviam orientar jovens autóctones na utilização do GPS para a confecção de mapas simplificados. Três quilômetros nos separavam do módulo principal, onde funcionam o centro de telecomunicações e as salas de aula. Como se isso não bastasse, demos um jeito de nos perder, de girar em círculos, aumentando a distância entre os dois pontos. "Parabéns, cartógrafos ! Se os jovens soubessem disso!"- brincávamos com nós mesmos. Quanto a mim, aqueles que me conhecem bem sabem que embora tendo viajado em quase 40 países do mundo, sou capaz de me perder na cidade em que cresci ou naquela em que moro.

Depois de três dias de viagem, eu imaginava a acumulação de mensagens em minha caixa postal eletrônica, a angústia de algumas pessoas que não tinham tido notícias minhas e não tinham explicação para um tal silêncio. Eu desejava ardentemente ter notícias do Brasil, das evoluções do processo eleitoral já em curso. Eu avançava a passos largos sobre o solo endurecido pelo excesso de beijos do sol, que pouco se importava com minhas roupas brancas e parecia querer incendiar-me. Mas eu pouco me importava com o sol. Tudo o que eu queria era uma conexão Internet. Os números de telefone da família que me acolheria em Puerto Ordaz, onde eu me separaria de meus colegas da UFAM, que, eles, voltariam a Manaus, estavam numa mensagem eletrônica. Não havia pensado em copiá-los num pedaço de papel.

- Tranquilo, amigo, me dizia Heitor, as conexões Internet da UIV são bem melhores do que tudo o que se possa encontrar em Manaus.

Isso era música para meus ouvidos. Eu havia trazido um computador portátil, o carregador bastante pesado e mais duas garrafas d’água. Eu, que me queixava da falta de exercícios físicos no Canadá, me via agora bem servido.

Dois grupos de alunos nos aguardavam espalhados pelo pátio, pelas salas de aula e pelas escadas do Infocentro. Alguns eram apenas uns dentes-de-leite, ardentes de desejo de avançar pelos caminhos do conhecimento e voltar ao seio de seus povos como agentes da construção de uma nova realidade, bem melhor que aquela vivida por seus avós. Outros, de mais idade, haviam trazido esposa e filhos, com os quais não estávamos proibidos de comunicar, ainda que não devêssemos em nenhuma circunstância tomar essa iniciativa.

Aqueles estudantes não tinham todos o mesmo nível de experiência e preparação. Um deles havia deixado a faculdade de engenharia elétrica para estar em seu próprio universo cultural. Outros mal falavam o espanhol, o que constituía um desafio suplementar para os professores, sobretudo para aqueles de nossa equipe que não falam essa língua. "Se falarmos devagar, eles nos entendem.”, disse um de nossos colegas.

Doce ilusão do etnocentrismo brasileiro. Quando se é de língua laociana e se fala mal o alemão, não se pode entender o neerlandês, mesmo falado devagar. Acabei assim trabalhando como intérprete durante as aulas de Sistema de Informação Geográfica.

Sendo eu mesmo professor, sei que é preciso primeiramente insuflar a autoconfiança nos corações dos alunos, fazer com que entendam que o conhecimento está neles mesmos e que seremos apenas parteiros dessa consciência. Antes de qualquer interpretação, disse aos jovens:

"Faço questão de dizer-lhes que sou aqui apenas um intérprete ao serviço de todos. O espanhol não é minha primeira língua. Eu a aprendi com pessoas de diferentes nacionalidades. É por isso que tenho esse sotaque tão diferente do vosso. Pode ser que eu cometa erros. Peço-lhes pois que me corrijam. Depois, não entendo nada dessa história de SIG. Não sou geógrafo. Pra dizer a verdade, vou descobrir essas coisas ao mesmo tempo em que vocês. Se pensamos bem, aqui somos todos professores e alunos. Uns dos outros. "

Meus professores-alunos sorriam. Quase saltei de alegria quando, em duas ocasiões, eles me corrigiram.

Depois de toda uma manhã de aulas teóricas, eu estava mais que ansioso para descer ao Infocentro, onde os professores brasileiros deviam instalar certo número de programas nos computadores. Na Venezuela, há Infocentros por toda parte. Isso faz parte do programa de inclusão digital. Trabalha-se com programas livres e Linus é a regra. Ver todos aqueles computadores ligados foi para mim uma visão do paraíso. Eu ia enfim atualizar meu trabalho, ter notícias do Brasil. Alguns jovens técnicos enviados pelo governo federal trabalhavam apressadamente sobre as máquinas sob o olhar indignado de Cristina, a antropóloga brasileira.

- Temos todo tipo de problemas, computadores que não funcionam, panes constantes de eletricidade, nenhuma conexão Internet e eles nos mandam técnicos só para mudar o fundo de tela!

- Não há conexão Internet? Você está brincando? – perguntei, com coração palpitando.

- Nao estou brincando. Há dias que estamos assim. Dizem que há um problema com o satélite Simón Bolívar. Todo o sul da Venezuela está afetado e até mesmo a parte norte do Brasil, até Boa Vista.

- Você acha que o problema será resolvido durante nossa permanência?

- Certamente que não.

Meu único consolo era o telefone. Pude fazer ligações a Montreal, explicar meu isolamento a meus amigos que repassariam a informação a outros. Pude igualmente obter os número de telefone que família que iria me acolher em Puerto Ordaz, que me deixou bastante tranquilo.

A ideia de estar só no país me amedrontava. A taxa de criminalidade é um desafio permanente para o governo bolivariano, cujos êxitos nesse campo são reais, mas permanecem insuficientes.

Os problemas técnicos foram comunicados ao chefe de nossa delegação. Nonato franziu a testa, passou uma mão sobre a cabeça, como para convocar os bons espíritos e disse:

- Você tem de fazer algo. Quando não se pode fazer 100%, faz-se 50%, 40%. O importante é avançar.

Heitor e David haviam trazido programas alternativos àqueles que contavam recuperar em rede. A tarefa seria mais longa e mais complicada, mas íamos conseguir pelo menos começar a preparar os jovens universitários autóctones na confecção de mapas de seus territórios. Os alunos foram liberados. Heitor e David começaram a tirar da sacola seus arsenais informáticos e a instalar o necessário até que – oh, não! – uma nova pane de eletricidade nos remeteu à meditação.

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"Com todas essas idas e voltas entre as aldeias, teremos caminhado cerca de 50 km ao final de nossa permanência", disse-me Heitor durante um exercício de utilização do GPS. Os alunos, visivelmente interessados, enchiam seus cadernos com anotações faziam as perguntas mais diversas, não apenas sobre o Sistema de Informação Geográfica. Eles queriam saber mais sobre o Brasil, o Canadá, o frio, o gelo e a neve. De vez em quando, um deles cuspia sangue, passando em seguida a mão na boca para limpar os lábios de uma viscosa saliva. Heitor me explicou: "Deve ser algum problema de gengivas. Olha a boca dele. Como outros jovens, ele tem dentes cariados. Eu escrevi um artigo sobre as conseqüências das mudanças alimentares entre os jovens que vêm estudar na UIV. Eles tinham uma alimentação sadia em suas aldeias de origem, muito mais equilibrada. Na primeira vez que aqui viemos, constatamos que havia uma dieta mais estrita: nada de leite, farinhas brancas ou açúcar. Agora, todas estas porcarias fazem parte do alimento quotidiano."

As contradições, definitivamente, estão em toda parte. A Venezuela continua importando a maior parte dos alimentos que seu povo consome. O aumento da produção endógena, ainda que significativo, não foi suficiente para reduzir esse desequilíbrio, pois houve igualmente um aumento do consumo de alimentos no país. No microcosmo da UIV, fora a criação de peixes, nenhuma produção de alimentos. O nobre discurso da instituição sobre a autonomia autóctone esbarrava no fundo de um prato. Claro, esses problemas bem reais não invalidam o conjunto da experiência, mas deverão algum dia ser enfrentados sob pena de que se tornem o grão de areia que bloqueia a engrenagem.

Luísa viria nutrir minhas inquietações, trazendo novos elementos à minha reflexão. Seu testemunho inicialmente me abalou, fazendo-me compreender que, naquilo que os venezuelanos chamam “o processo”, tudo era mais complexo do que eu havia imaginado.

- Gostaria que você me dissesse como vê os processos políticos em curso em nosso continente. Sobretudo aqueles de nossos países de origem: meu Uruguai e seu Brasil.

- Não posso fazer julgamentos peremptórios sobre o que acontece no Uruguai. De fato, o presidente Tabaré Vasques me chocou com suas posições conservadoras sobre o aborto. Por outro lado, o presidente Mujica entrou no jogo da comparação entre Chávez e Lula, dizendo preferir as opções desse último. Não tenho mágoa dele por isso, mas acho que a política internacional é um grande teatro e cada um tem de cumprir seu papel. Se Lula agisse como Chávez, ele não governaria o país mais de seis meses. Se Chávez agisse como Lula, ele não produziria nenhuma transformação em seu país.

- Justamente. E a Venezuela? Como você vê « o processo »?

- Sem ingenuidades ou hipocrisias. Sabemos que a Revolução bolivariana padece de seus erros, de seus excessos e de suas faltas, mas a política exterior desse governo faz a felicidade dos povos em luta, ainda que seu sistema econômico permaneça ainda, apesar dos discursos, capitalista. Seja como for, não se pode negar que houve uma melhoria nas condições de vida do povo venezuelano.

- Não tenho tanta certeza disso. O povo tem fome, a mortalidade infantil não foi reduzida, a produção de alimentos recua, a criminalidade aumenta. As cooperativas criadas pelo governo são um fracasso e vão à falência sistematicamente. O Estado Lara, antes grande produtor de açúcar, não produz mais nenhum grama. O povo é obrigado a comprar por 10 aquilo que custa 1,70! Os ministérios estão gangrenados pela corrupção e pelo narcotráfico. A saúde é um fracasso absoluto, bem como a educação. Quanto aos bônus que o governo paga às pessoas implicadas nas famosas “missões”, trata-se apenas de uma esmola que só dá pra comprar álcool e cigarros, mas não enche barriga de ninguém. As esmolas do governo desestimulam as pessoas para o trabalho. Temos o maior problema aqui na UIV para encontrar um pedreiro. Os pedreiros não querem mais trabalhar . No plano democrático, é terrível. As pessoas são obrigadas a pôr camisetas vermelhas. A liberdade de crítica não existe. O presidente disse recentemente que ele também reduzia seu consumo de água e levava uma vida modesta. Ora, nós sabemos o preço de suas gravatas. Está tudo na Internet! "

A metralhadora verbal de Luísa deixou-me boquiaberto. A pessoa que eu tinha diante de meus olhos não parecia ser uma ultrafascista da oposição. Ele vive numa casa modesta, dedica seu tempo e suas energias à promoção dos mais humildes. Mesmo assim, seu discurso se assemelhava estranhamente àqueles dos grupos da extrema-direita histórica do Equador, do Brasil ou da Venezuela. E, como se ela estivesse lendo meus pensamentos, Luísa voltou à carga.

- Não pense que sou alguém de direita. Fui guerrilheira no Uruguai. Minha casa foi invadida por policiais que reviraram tudo enquanto eu consolava meus filhos aterrorizados. Entendo que vocês sejam solidários com Chávez na Espanha, no Canadá ou no Brasil, pois sua política exterior frente ao imperialismo é correta, mas não devemos esquecer que há um povo que sofre. E pensar que eu votei duas vezes por Chávez!

Aproveitei o tempo de sua inspiração para dizer algo.

- Cara Luísa, sou-lhe grato por sua reflexões, por sua críticas. Tanto mais na medida em que vêm do interior do processo de mudança atualmente em curso em nosso continente, pois nós lutamos, você e eu, pela liberdade e pela democracia. Que fique bem claro, críticas oriundas de genocidários não me interessam.

- Você não está obrigado a crer em mim. Verifique tudo isso junto a outras pessoas. Posso colocá-lo em contacto com pessoas interessantes. Vejamos... não minha amiga de Barcelona, que é de oposição. Mas você poderia encontrar minha amiga de Valencia, que do mesmo campo que a gente.

- Diante desse quadro catastrófico, você acha, Luísa, que o governo ganhará as próximas eleições?

- Não tenho a menor dúvida. Ou as pessoas votam pelo PSUV ou perdem seus empregos e as esmolas do Estado, que é atualmente o maior empregador do país!

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O encontro com Luísa deixou-me um gosto de “déjà vu”. Já não havia eu ouvido esse tipo de discurso em meu próprio país, o Brasil? Não questiono a boa vontade de pessoas como essa generosa setuagenária, mas sua irresponsabilidade é, devo dizê-lo, sem limites. Esse tipo de atitude revela, não tanto uma realidade do processo de transformação, mas antes uma predisposição psicológica que os venezuelanos chamam "dissociação psicótica". As pessoas atingidas por esse distúrbio negam simplesmente a realidade sem temor de se verem expostas ao ridículo. Luísa não é certamente uma pessoa de oposição, mas faz parte de um grupo identificado desde há muito tempo por certo mestre como os "esquerdistas", que sofrem de uma enfermidade política infantil.

Ora, as estatísticas sobre a Venezuela não são obra de “chavistas" e elas dizem muito sobre o "povo que sofre". A pobreza foi reduzida de 70% a 23%, a miséria passou de 20% a um pouco mais de 5%. A produção de alimentos não recuou no país. Isso simplesmente não é verdade. Ela aumentou, ainda que esse aumento seja insuficiente. As cooperativas não são todas um fracasso. Longe disso. Qual seria pois o crime de Chávez e da Revolução. Não ter transformado o país num paraíso terrestre em apenas alguns anos? O presidente Lula é vítima desse tipo de acusação em permanência.

60 000 pessoas em condições de miséria absoluta circulam pelas ruas do Brasil. Eis uma verdade. Mas também é verdade que pela primeira vez temos um programa que mobiliza sete ministérios da República e todas as associações de populações de rua para resolver esse problema. Mesmo os economistas mais conservadores reconhecem que, com o atual ritmo de redução das desigualdades, por volta de 2020, o Brasil deixará de ser um país injusto. Só podemos constatar que a Venezuela está trilhando o mesmo caminho.

Luísa não mentiu ao falar da falta de açúcar e da especulação sobre o preço desse produto. Mas deu-me tristeza ver como alguém pode falar de um problema sem contextualizá-lo. Houve especulação, é certo, mas o problema já havia sido enfrentado quando Luísa proferia suas críticas. Pena que ela não tenha criticado o fato de que as pessoas ainda consomem essa maldita herança do escravismo e crêem que se trata de um alimento.

Que dizer da corrupção? Essa é uma velha cantilena que a direita entoa cada vez que um governo de esquerda está no poder. Que haja corrupção de funcionários públicos, isso é um fato. Mas daí a dizer que "os ministérios estão gangrenados pela corrupção" há uma grande diferença. E que exagero cometeu Luísa ao dizer que "a saúde é um fracasso total, bem como a educação"! Ora, pela primeira vez, os pobres têm direito a cuidados médicos. Que haja queixas quanto a estes serviços, nada mais normal. Mas isso não quer dizer que eles sejam um fracasso.

Quanto aos bônus que o governo paga àquelas pessoas implicadas nas "Missões", espanta-me a incapacidade de Luísa em perceber que um programa de distribuição de renda é indispensável para dar vida a uma economia popular. E que preconceito imperdoável esse de achar que esses pagamentos não passam de "uma esmola que permite às pessoas comprar cigarros e álcool, mas não de matar a fome".

Não é verdade que as pessoas utilizem essa renda para beber e fumar. Este preconceito sem nenhum fundamento estatístico é constante no Brasil. Ainda que modestos, esses pagamentos representam bilhões que oxigenam a economia de povoados e bairros, multiplicam os pequenos mercados, as atividades artesanais, etc. Numa Venezuela que é o segundo consumidor de whisky no mundo depois da Escócia, tratar os pobres de bêbados constitui um desprezo profundo para com eles, um sentimento vergonhoso que habita até mesmo os corações de pessoas que dizem lutar por uma sociedade mais justa.

E se é difícil encontrar pedreiros na Venezuela de hoje, isso não se deve à preguiça. A explicação é bem mais razoável que o delírio imaginado por Luísa: há construções em toda parte na Venezuela. As construtoras não conseguem achar a mão-de-obra de que necessitam. Por outro lado, chega a ser cômico que digam que as pessoas são obrigadas a participar das manifestações bolivarianas.

Francamente, os Bolivarianos não precisam disso. Eu mesmo vi cerca de 2 milhões de pessoas ocupando as ruas de Caracas em plena sabotagem petroleira, em 2003, quando o país sofria da falta de tudo. Teria Chávez o poder de obrigar as pessoas a sorrir, a gritar seu apoio à Revolução? Quando ao nível de consumo do presidente da República, a mesma acusação é feita ao presidente Lula. Deveria Chávez viajar numa sucata de avião comparado à Serra Leoa depois da guerra? Deveria Lula vestir-se de trapos? Quanto à liberdade de críticas, francamente! Basta olhar a própria televisão de Estado para dar-se conta. Todo mundo critica tudo neste país! Cheguei a ver o grande jornalista e ex-vice-presidente da República, O senhor José Vicente Rangel, expressar um desacordo com o presidente num programa de televisão. Luísa me fez finalmente rir com o sucedâneo do "eu vi na televisão". Agora, os crédulos dizem: "eu vi na Internet."

Para concluir, o suposto passado revolucionário de minha "amiga" não é uma carta branca para dizer bobagens. Eu teria a ocasião de constatar muitas outras incoerências mais no discurso da simpática Luísa, que, finalmente, não tinha nada ver com Denise.

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Os relatos anteriores podem ser lidos nos links abaixo



Relato 1

Relato 2

Relato 3

Relato 4

Relato 5

Um comentário:

  1. Mateus, muito legal o relato sobre a educação e universidade indígena. aproveitei para entrar no site da Universidade, e gostei muito! Apesar das dificuldades muitas, trata-se de um sonho de consumo dos índios e indigenistas libertários.
    Primeiro, porque o processo de educação indígena em curso no país é devastador. Sob o lema do esforço, novamente passaremos por bons moços enquanto os fazemos todos abandonarem seus hábitos culturais em troca de um cheque sem fundo, de uma vaga num banco escolar com quadro negro (eu disse negro) e giz branco... onde o branco inscreve sobre o negro. Tenho acompanhado a coisa nos Kaiapó e é até perigoso me manifestar, porque sou tido com o causador de confusão. Ocorre que o que temos, no máximo, são alguns professores que dão o máximo que podem, mas nem assim conseguem impedir o que a educação está promovendo junto aos índios: a detonação de sua cultura, o surgimento de novas elites na aldeia, e ainda, empurrando-os todos para as cidades e para a luta por um emprego onde todo mundo puxa o tapete de todo mundo, que é o futuro do bons alunos escolares. fico muito triste com isso.
    Geógrafo, a primeira vez que parei pra pensar nisso foi quando vi os trabalhos de alunos de uma escola indígena Pareci, no Mato Grosso, no qual os alunos diziam que um dos maiores problemas do meio ambiente era o lixo que "eles" produziam... ora, eles só recentemente viraram produtores de lixo, e ainda assim, bastante limitados, já que encontram-se parcial e inferiorizadamente inseridos na economia capitalista. O lixo, isto sim, é verdadeiramente um problema do branco, não do índio. Grande preocupação!
    Abraço Sandova

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