terça-feira, 29 de junho de 2010

A lição hondurenha


O golpe de Estado em Honduras fez aniversário.

A Frente Nacional de Resistência Popular (PNRP) pede que a OEA intervenha pelo restabelecimento da democracia no país. Os movimentos sociais hondurenhos não reconhecem o presidente que foi eleito no regime de exceção, Porfiro Lobo. Entendem que a restauração da democracia passa necessariamente pelo retorno ao país do presidente deposto, Manuel Zelaya, e seus aliados do exílio.

Enquanto jornalista são assassinados em Honduras, o PIG promovia evento onde diz que estamos a beira de uma ditadura no Brasil.

Não poderíamos esperar nada diferente de corporações que apoiaram o golpe militar no Brasil (clique aqui para detalhes do apoio do Globo e da Folha à ditabranda), atacam sistematicamente os movimentos sociais e trabalham em moto-contínuo pela desestabilização do governo Lula.

No plano internacional, faz parte da estratégia de manutenção da hegemonia estadunidense, sensivelmente abalada pela onda de governos populares eleitos na última década.

Em âmbito local, essa hegemonia se estabelece em cada país mantendo uma relação de vassalagem: elites locais que não hesitam em trocar a autonomia nacional pela ajuda na manutenção dos seu privilégios ante a miséria e subjugação da maioria das populações locais.

Stedile descreveu a burguesia brasileira como "uma lúmpen-burguesia, que se contenta em superexplorar seu povo para repartir as taxas do lucro com o capital internacional". Mas isso se estende a burguesia de toda a América Latina.


Democracia participativa x democracia liberal

Diz-se que as pessoas ciumentas são as que mais traem. Por serem infiéis, veem infidelidade em todos.

Assim se comporta a direita latinoamericana. Maior violadora da democracia liberal, a direita no nosso continente promoveu dezenas de golpes contra governantes democraticamente eleitos, sempre com a desculpa de que a democracia está ameaçada.

Mesmo com o amadurecimento político refreado, golpe após golpe, os povos latinoamericanos de tempo em tempo conseguem eleger seus representantes dentro do processo eleitoral do Estado de Direito Burguês. Os golpes sempre vieram para interromper o processo.

A Venezuela rompeu a lógica. Percebendo o sistema viciado, Chavez passou a manter cada vez mais o canal com a população aberto. Plebiscitos, referendos e eleições fazem parte de uma estratégia de manter a população sempre alerta.

Pouco utilizado no Brasil, os plebiscitos e referendos que ocorrem na Venezuela figuram entre os maiores pesadelos da direita hemisférica. O motivo do temor não é outro senão a proximidade do povo com as decisões políticas mais significativas do país.

A falácia da defesa da democracia é gritante se percebermos a diferenciação entre o trato da imprensa burguesa às reeleições de FHC, Fugimori e Uribe e as de Chavez.

O venezuelano venceu mais eleições em dez anos do que FHC, Fugimori e Uribe venceram ao longo de suas vidas, aprovou a reeleição via plebiscito e tem o mandato submetido a referendos na metade de cada mandato.

Chavez é taxado de caudilho. FHC e seus pares ideológicos tiveram suas reeleições aprovadas em processos legislativos marcados pela corrupção, não obstante terem sido a revelia da povo, mas são apresentados como exímios democratas.

Venezuela, Bolívia e Equador fizeram a reforma política que no Brasil não conseguimos. As Assembleias Constituintes nestes países fizeram com que eles sepultassem cartas magnas que só atendiam aos interesses das burguesias nacionais e fizessem constituições que davam mais poder aos povos.

Aqui é boliviano o melhor exemplo. Depois da crise político-institucional que antecedeu a eleição de Evo Morales, a aplicação nua e crua da lei quase impediu que o indígena, mesmo sendo mais votado, tomasse posse. Foi necessário arbitragem internacional, em movimento liderado pelo chancelaria brasileira.

Golpes de Estado na América Latina contemporânea, a tabelinha mídia-judiciário

Chegamos então ao judiciário, o mais reacionário dos poderes republicanos. É ele o que mais demora a refletir as mudanças sócio-políticas da sociedade e último bastião da reação. Além do mais, o judiciário é um poder descolado do crivo popular, é o poder político que não está sujeito ao processo eleitoral.

Diferentemente do que acontece nos outros dois poderes, os juízes não devem conta ao eleitor. Esse grupo de pessoas exerce um poder que muito se assemelha com um outro grupo de pessoas que tem muito poder na sociedade sendo até chamado de Quarto Poder, a mídia e seus barões.

Com a oposição de direita em frangalhos, sem discurso contra lideranças que implementam políticas inclusivas, distributivas e de autonomia nacional, é a imprensa que assume o papel de oposição. Os jornalistas e colonistas* da imprensa burguesa não dependem do voto, só dos seus patrocinadores, o grande capital nacional e internacional.

Isso é explícito e declarado no Brasil, embora não precisamos sair do Brasil para saber como se processa na Bolívia, no Equador, na Argentina, no Uruguai ou no Paraguai. Na Venezuela o golpe foi orquestrado pela mídia de lá. A rede mais atuante foi a RCTV, aquela que teve a concessão cassada recentemente para desespero da mídia nativa. O filme a Revolução não será televisionada retrata bem a participação da mídia conservadora na desestabilização do governo Chavez.

O fracasso do golpe na Venezuela mostrou à direita que precisaria agir mais rapidamente se quisesse frear o crescimento da esquerda latinoamericana. O processo liderado por Chavez já havia promovido mudanças radicais na sociedade venezuelana: nova constituição, novo judiciário e a população de sentinela pelos seus direitos.

Em Honduras, veio a resposta. O golpe veio antes das mudanças na constituição e suas alterações no judiciário e no legislativo.

Mas o decisivo em Honduras foi a parceria entre a mídia e o judiciário. Essa dobradinha concretizou e sustentou o golpe a despeito da mobilização popular e do repúdio da comunidade internacional.

O judiciário hondurenho teve um ativismo que deixou os reacionários no restante do continente com inveja. A Suprema Corte se apressou em dar ar de legalidade ao golpe desde o início.

A prisão e deposição de Zelaya foram executadas com ordens judiciais. A Suprema Corte eximiu de culpa militares envolvidos no golpe. Micheletti foi decretado 'presidente' por ordem dos tribunais. O processo eleitoral teve total respaldo do Tribunal Eleitoral.

Nada disso seria possível sem o apoio da imprensa conservadora - e golpista de primeira hora - hondurenha e de todo o continente. O golpista maior foi apresentado como presidente interino, presidente de fato e por vezes só presidente. Os articulistas, jornalistas, âncoras, colonistas* e comentaristas fizeram mil malabarismos para justificar sua lógica: o que ocorreu em Honduras foi para o bem da democracia.

O bordão de golpe pela manutenção da democracia virou cantilena. Já conhecemos isso desde Vargas mas como maior destaque para o trágico outono de 64. As interferências do TSE no processo eleitoral que se aproxima torna necessário prontidão e cautela. Com o desempenho que vem apresentando o candidato da direita, um golpe à Honduras se torna o única opção da reação retomar o Planalto.

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*adotarei o verbete criado por Paulo Henrique Amorim para designar os colunistas do PIG que reproduzem o mentalidade colonizada, que defendem o interesse da 'metrópole' ante o nosso.

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