terça-feira, 29 de junho de 2010

A lição hondurenha


O golpe de Estado em Honduras fez aniversário.

A Frente Nacional de Resistência Popular (PNRP) pede que a OEA intervenha pelo restabelecimento da democracia no país. Os movimentos sociais hondurenhos não reconhecem o presidente que foi eleito no regime de exceção, Porfiro Lobo. Entendem que a restauração da democracia passa necessariamente pelo retorno ao país do presidente deposto, Manuel Zelaya, e seus aliados do exílio.

Enquanto jornalista são assassinados em Honduras, o PIG promovia evento onde diz que estamos a beira de uma ditadura no Brasil.

Não poderíamos esperar nada diferente de corporações que apoiaram o golpe militar no Brasil (clique aqui para detalhes do apoio do Globo e da Folha à ditabranda), atacam sistematicamente os movimentos sociais e trabalham em moto-contínuo pela desestabilização do governo Lula.

No plano internacional, faz parte da estratégia de manutenção da hegemonia estadunidense, sensivelmente abalada pela onda de governos populares eleitos na última década.

Em âmbito local, essa hegemonia se estabelece em cada país mantendo uma relação de vassalagem: elites locais que não hesitam em trocar a autonomia nacional pela ajuda na manutenção dos seu privilégios ante a miséria e subjugação da maioria das populações locais.

Stedile descreveu a burguesia brasileira como "uma lúmpen-burguesia, que se contenta em superexplorar seu povo para repartir as taxas do lucro com o capital internacional". Mas isso se estende a burguesia de toda a América Latina.


Democracia participativa x democracia liberal

Diz-se que as pessoas ciumentas são as que mais traem. Por serem infiéis, veem infidelidade em todos.

Assim se comporta a direita latinoamericana. Maior violadora da democracia liberal, a direita no nosso continente promoveu dezenas de golpes contra governantes democraticamente eleitos, sempre com a desculpa de que a democracia está ameaçada.

Mesmo com o amadurecimento político refreado, golpe após golpe, os povos latinoamericanos de tempo em tempo conseguem eleger seus representantes dentro do processo eleitoral do Estado de Direito Burguês. Os golpes sempre vieram para interromper o processo.

A Venezuela rompeu a lógica. Percebendo o sistema viciado, Chavez passou a manter cada vez mais o canal com a população aberto. Plebiscitos, referendos e eleições fazem parte de uma estratégia de manter a população sempre alerta.

Pouco utilizado no Brasil, os plebiscitos e referendos que ocorrem na Venezuela figuram entre os maiores pesadelos da direita hemisférica. O motivo do temor não é outro senão a proximidade do povo com as decisões políticas mais significativas do país.

A falácia da defesa da democracia é gritante se percebermos a diferenciação entre o trato da imprensa burguesa às reeleições de FHC, Fugimori e Uribe e as de Chavez.

O venezuelano venceu mais eleições em dez anos do que FHC, Fugimori e Uribe venceram ao longo de suas vidas, aprovou a reeleição via plebiscito e tem o mandato submetido a referendos na metade de cada mandato.

Chavez é taxado de caudilho. FHC e seus pares ideológicos tiveram suas reeleições aprovadas em processos legislativos marcados pela corrupção, não obstante terem sido a revelia da povo, mas são apresentados como exímios democratas.

Venezuela, Bolívia e Equador fizeram a reforma política que no Brasil não conseguimos. As Assembleias Constituintes nestes países fizeram com que eles sepultassem cartas magnas que só atendiam aos interesses das burguesias nacionais e fizessem constituições que davam mais poder aos povos.

Aqui é boliviano o melhor exemplo. Depois da crise político-institucional que antecedeu a eleição de Evo Morales, a aplicação nua e crua da lei quase impediu que o indígena, mesmo sendo mais votado, tomasse posse. Foi necessário arbitragem internacional, em movimento liderado pelo chancelaria brasileira.

Golpes de Estado na América Latina contemporânea, a tabelinha mídia-judiciário

Chegamos então ao judiciário, o mais reacionário dos poderes republicanos. É ele o que mais demora a refletir as mudanças sócio-políticas da sociedade e último bastião da reação. Além do mais, o judiciário é um poder descolado do crivo popular, é o poder político que não está sujeito ao processo eleitoral.

Diferentemente do que acontece nos outros dois poderes, os juízes não devem conta ao eleitor. Esse grupo de pessoas exerce um poder que muito se assemelha com um outro grupo de pessoas que tem muito poder na sociedade sendo até chamado de Quarto Poder, a mídia e seus barões.

Com a oposição de direita em frangalhos, sem discurso contra lideranças que implementam políticas inclusivas, distributivas e de autonomia nacional, é a imprensa que assume o papel de oposição. Os jornalistas e colonistas* da imprensa burguesa não dependem do voto, só dos seus patrocinadores, o grande capital nacional e internacional.

Isso é explícito e declarado no Brasil, embora não precisamos sair do Brasil para saber como se processa na Bolívia, no Equador, na Argentina, no Uruguai ou no Paraguai. Na Venezuela o golpe foi orquestrado pela mídia de lá. A rede mais atuante foi a RCTV, aquela que teve a concessão cassada recentemente para desespero da mídia nativa. O filme a Revolução não será televisionada retrata bem a participação da mídia conservadora na desestabilização do governo Chavez.

O fracasso do golpe na Venezuela mostrou à direita que precisaria agir mais rapidamente se quisesse frear o crescimento da esquerda latinoamericana. O processo liderado por Chavez já havia promovido mudanças radicais na sociedade venezuelana: nova constituição, novo judiciário e a população de sentinela pelos seus direitos.

Em Honduras, veio a resposta. O golpe veio antes das mudanças na constituição e suas alterações no judiciário e no legislativo.

Mas o decisivo em Honduras foi a parceria entre a mídia e o judiciário. Essa dobradinha concretizou e sustentou o golpe a despeito da mobilização popular e do repúdio da comunidade internacional.

O judiciário hondurenho teve um ativismo que deixou os reacionários no restante do continente com inveja. A Suprema Corte se apressou em dar ar de legalidade ao golpe desde o início.

A prisão e deposição de Zelaya foram executadas com ordens judiciais. A Suprema Corte eximiu de culpa militares envolvidos no golpe. Micheletti foi decretado 'presidente' por ordem dos tribunais. O processo eleitoral teve total respaldo do Tribunal Eleitoral.

Nada disso seria possível sem o apoio da imprensa conservadora - e golpista de primeira hora - hondurenha e de todo o continente. O golpista maior foi apresentado como presidente interino, presidente de fato e por vezes só presidente. Os articulistas, jornalistas, âncoras, colonistas* e comentaristas fizeram mil malabarismos para justificar sua lógica: o que ocorreu em Honduras foi para o bem da democracia.

O bordão de golpe pela manutenção da democracia virou cantilena. Já conhecemos isso desde Vargas mas como maior destaque para o trágico outono de 64. As interferências do TSE no processo eleitoral que se aproxima torna necessário prontidão e cautela. Com o desempenho que vem apresentando o candidato da direita, um golpe à Honduras se torna o única opção da reação retomar o Planalto.

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*adotarei o verbete criado por Paulo Henrique Amorim para designar os colunistas do PIG que reproduzem o mentalidade colonizada, que defendem o interesse da 'metrópole' ante o nosso.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Um blog sindical


O sindicato dos trabalhadores da Mitsubishi da Venzuela, Singetram, lançaram o blog Conciencia Obrera.


Mais uma vez, os venezuelanos apontam, tal qual uma bússola, os novos rumos da luta trabalhadora.


Vale lembrar que foram os venezuelanos que elegeram o primeiro governo de esquerda na América Latina pós-neoliberalismo. Chávez foi eleito presidente no apagar das luzes do século 20, quando todo o continente rezava o Consenso de Washington.


Com a força que internet tem hoje; com a importância dos blog, dos sites e das agência virtuais de notícias no processo político atual, um blog sindical é um enorme instrumento.


Na empresa federal em que trabalho, é enorme a distância entre as instituições sindicais, regionais e nacional, e os trabalhadores. Durante a campanha salarial, somos massacrados com informações da empresa, com sua visão patronal dos fatos, somos apresentados à uma direção corporativa cheia de boas intenções de um lado e do outro uma direção sindical rabugenta, atrasada e intransigente.


Nada nos chega pela Federação, temos que correr atrás das informações por telefone, nos informes afixados, no boca-a-boca.


A Empresa vai a passos largos e sem oposição a passar sua visão dos fatos o tempo todo. Se nós trabalhadores, adesistas ou não, temos dificuldade de saber o que ocorre, que dirá o trabalhador alheio ao processo que é informado apenas pelo Jornal Nacional, pela BandNews ou pela CBN?


O Singetram deixa-nos uma grande lição de mobilização e comunicação.

domingo, 20 de junho de 2010

No mundo real, os Blogs do Além são os melhores




Adoro ler os Blogs do Além, que Vitor Knijnik publica semanalmente em Carta Capital.

É de um humor fino, daquele que falta na tevê aberta brasileira. Confesso que às vezes tenho que procurar saber quem é o 'autor' para que as piadas tenham sentido. Até nisso o blog é interessante, me força fazer uma pesquisinha básica e aprender mais.

Torci quando soube que Blogs do Além concorria ao prêmio, há uns meses. Fiquei feliz em saber que o ganhou o prêmio na categoria blogwurst, onde concorrem blogs divertidos, perturbadores e incomuns. O prêmio The Bobs - The Best of Blogs é promovido pela Deutsche Walle, o maior concurso do mundo virtual.

Na página do blog podem ser lidos blogs psicografados de Marx, Newton, Kafka, Lennon, Jemes Dean, Senna entre tantos.

Copiei um, pra quem não conhece conhecer e quem já conhece, poder rir novamente.

Parabéns, Vitor Knijni.


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BLOG DO NIXON


Sobre o Blog.
Criei esse espaço porque queria, como os parlamentares brasileiros, ter um fórum privilegiado.

Sobre mim.
Gostei de Frost/Nixon, mas detestei Nixon do Oliver Stone. Ele acertou mesmo foi Platoon, também com aquela guerra como pano de fundo, até eu.

MAIS RESPEITO COM WATERGATE

Estou profundamente chocado com as notícias que me chegam do Distrito Federal. Não tenho palavras para expressar a minha indignação. A que ponto chegamos? Você até tem o direito de pensar: o quê? Logo você chocado com o uso da máquina pública em atos ilegais? Sim, justamente eu, como poucos, tenho o direito ao espanto. Me explico. Estão desmoralizando o escândalo. O célebre caso que me levou a renunciar à Casa Branca exigiu meses de investigação de dois talentosíssimos repórteres. Eles suaram muito para estabelecer as relações entre o meu governo e o assalto ao edifício Watergate, sede do Partido Democrata. Foi um trabalho tão espetacular que a história dessa reportagem inspirou um filme, por sinal ótimo, chamado Todos os Homens do Presidente, vencedor de 4 Oscars.

A verdade é que os tempos são outros. Hoje o escândalo já vem revelado, pronto e com pouca margem a interpretação. As imagens não falam, gritam por si. São golpes duros já na combalida reportagem investigativa e até na reputação de quem entrou para a história fazendo coisas feias. Podemos ver e rever no Youtube os vídeos onde dinheiro público é distribuído e guardado em cuecas, meias e paletós. Quem vai querer ler uma análise mais profunda? A cena é tão explícita que até parece pegadinha. A primeira vez que vi os vídeos cheguei a pensar que se tratava de virais, realizados com proposital linguagem amadora. A parte em que todos fazem a oração parecia ter saído das mãos de um debochado roteirista. Nada disso, era tudo de verdade. Aquela atuação canastrona dos envolvidos não era má interpretação.Se por acaso esse episódio render algum filme no Brasil, deixo aqui uma sugestão aos realizadores. Não vejo ninguém melhor do que o Tiririca para encarnar o governador Arruda.

Por isso, fico chateado com essa mania da imprensa de usar o sufixo gate para nomear os escândalos brasileiros. Só para ficar nos mais recentes, tivemos o Valeriogate, Piquetgate, ambulanciagate e agora o Panetonegate. Alto lá, mais respeito com Watergate. Usem a referência com mais parcimônia. O meu escândalo deu enorme trabalho para ser apurado e ainda resultou em impeachment. Com quais desses podemos dizer o mesmos?

Uma das poucas coisas boas desse escândalo é que alguns confundirão o DEM como sendo a versão brasileira do Partido Democrata americano. Na verdade eles não são nem democratas e muito menos republicanos. [o grifo é meu] É um ganho marginal. O fato é que toda essa divulgação, essa reverberação é lamentável. Só espero que esse bando de amadores não estrague, com suas lambanças explicitas a máquina de corrupção que vem funcionando tão bem, a tanto tempo, na política brasileira.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Relatos de um brasileiro na Venezuela bolivariana - 6

Nonato e eu voltamos à aldeia. Não ouso ainda colher os cajus que encontramos no caminho. Ignoro ainda muitos códigos culturais do universo em que me encontro. Uma certa prudência se impõe.

O sol esqueceu sua clemência matinal. A terra queimada evoca ao primeiro olhar uma paisagem apocalíptica. As ervas secas se incendiaram e os ramalhetes outrora verdes se transformaram em montículos espalhados sobre um campo de cinzas.

O sol é uma pele de pachamama enferma cujas protuberâncias enegrecidas anunciam a crise terminal prevista por um profeta amargo de ilusões perdidas. No entanto... discretos galhos brotam das profundezas alimentados pelas forças laboriosas da vida, sustentadas por bilhões de microorganismos cooperantes. Os fulminantes raios do sol apenas os acariciam. Estas formas têm a doçura e a inocência das novas espécies destinadas a reinar sobre um planeta reconstituído. Esta resistência é a mesma que inspira nações autóctones a se afirmar contra o cinismo dos Estados gerados no ventre imundo do capitalismo. Estas flores do campo feridas pela seca me remetem aos versos de Drummond. O poeta contemplava uma flor que rompia o asfalto: feia, ignorada pelos dicionários, frágil de suas pétalas ainda fechadas, mas uma flor mesmo assim, uma flor.


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De volta à nossa aldeia, uma única idéia me obcecava: banhar-me nas águas do caño, o riacho que os autóctones diziam ser sagrado, pois suas águas provêm do Orenoco e transportam toda a sua magia. Nadia, Mario e Gilney nos esperavam com um café quentinho e todo o seu bom humor. Eles se haviam levantado antes de todo mundo para preparar as refeições do dia. Sua alegria em servir se renovaria a cada dia até nossa partida. David nos advertiu em tom solene.

"Nunca saiam durante a noite para urinar sem uma lanterna. Ontem à noite, eu quis me banhar, pois não aguentava mais de tanto calor. Uma das serpentes mais venenosas que conheço estava enrolada, bem no meio do caminho, pronta para atacar o primeiro que a incomodasse.”

Roberto acrescentou:

"E já que você falou em urinar, nunca façam isso no riacho. Não sabemos nada sobre a presença de candirus nessas águas. Esses peixes penetram o reto dos que urinam dentro d’água e as consequências em geral são fatais. A literatura médica só registra um caso de sobrevivência após um ataque desses peixes indecentes.”

Lavamos nossos corpos e nossas roupas sem sabão, obedecendo às consignas de nossos anfitriões autóctones. A pedido de Nonato, parti com David e Heitor para, em caso de necessidade, servir-lhes de intérprete no Infocentro, onde eles deviam orientar jovens autóctones na utilização do GPS para a confecção de mapas simplificados. Três quilômetros nos separavam do módulo principal, onde funcionam o centro de telecomunicações e as salas de aula. Como se isso não bastasse, demos um jeito de nos perder, de girar em círculos, aumentando a distância entre os dois pontos. "Parabéns, cartógrafos ! Se os jovens soubessem disso!"- brincávamos com nós mesmos. Quanto a mim, aqueles que me conhecem bem sabem que embora tendo viajado em quase 40 países do mundo, sou capaz de me perder na cidade em que cresci ou naquela em que moro.

Depois de três dias de viagem, eu imaginava a acumulação de mensagens em minha caixa postal eletrônica, a angústia de algumas pessoas que não tinham tido notícias minhas e não tinham explicação para um tal silêncio. Eu desejava ardentemente ter notícias do Brasil, das evoluções do processo eleitoral já em curso. Eu avançava a passos largos sobre o solo endurecido pelo excesso de beijos do sol, que pouco se importava com minhas roupas brancas e parecia querer incendiar-me. Mas eu pouco me importava com o sol. Tudo o que eu queria era uma conexão Internet. Os números de telefone da família que me acolheria em Puerto Ordaz, onde eu me separaria de meus colegas da UFAM, que, eles, voltariam a Manaus, estavam numa mensagem eletrônica. Não havia pensado em copiá-los num pedaço de papel.

- Tranquilo, amigo, me dizia Heitor, as conexões Internet da UIV são bem melhores do que tudo o que se possa encontrar em Manaus.

Isso era música para meus ouvidos. Eu havia trazido um computador portátil, o carregador bastante pesado e mais duas garrafas d’água. Eu, que me queixava da falta de exercícios físicos no Canadá, me via agora bem servido.

Dois grupos de alunos nos aguardavam espalhados pelo pátio, pelas salas de aula e pelas escadas do Infocentro. Alguns eram apenas uns dentes-de-leite, ardentes de desejo de avançar pelos caminhos do conhecimento e voltar ao seio de seus povos como agentes da construção de uma nova realidade, bem melhor que aquela vivida por seus avós. Outros, de mais idade, haviam trazido esposa e filhos, com os quais não estávamos proibidos de comunicar, ainda que não devêssemos em nenhuma circunstância tomar essa iniciativa.

Aqueles estudantes não tinham todos o mesmo nível de experiência e preparação. Um deles havia deixado a faculdade de engenharia elétrica para estar em seu próprio universo cultural. Outros mal falavam o espanhol, o que constituía um desafio suplementar para os professores, sobretudo para aqueles de nossa equipe que não falam essa língua. "Se falarmos devagar, eles nos entendem.”, disse um de nossos colegas.

Doce ilusão do etnocentrismo brasileiro. Quando se é de língua laociana e se fala mal o alemão, não se pode entender o neerlandês, mesmo falado devagar. Acabei assim trabalhando como intérprete durante as aulas de Sistema de Informação Geográfica.

Sendo eu mesmo professor, sei que é preciso primeiramente insuflar a autoconfiança nos corações dos alunos, fazer com que entendam que o conhecimento está neles mesmos e que seremos apenas parteiros dessa consciência. Antes de qualquer interpretação, disse aos jovens:

"Faço questão de dizer-lhes que sou aqui apenas um intérprete ao serviço de todos. O espanhol não é minha primeira língua. Eu a aprendi com pessoas de diferentes nacionalidades. É por isso que tenho esse sotaque tão diferente do vosso. Pode ser que eu cometa erros. Peço-lhes pois que me corrijam. Depois, não entendo nada dessa história de SIG. Não sou geógrafo. Pra dizer a verdade, vou descobrir essas coisas ao mesmo tempo em que vocês. Se pensamos bem, aqui somos todos professores e alunos. Uns dos outros. "

Meus professores-alunos sorriam. Quase saltei de alegria quando, em duas ocasiões, eles me corrigiram.

Depois de toda uma manhã de aulas teóricas, eu estava mais que ansioso para descer ao Infocentro, onde os professores brasileiros deviam instalar certo número de programas nos computadores. Na Venezuela, há Infocentros por toda parte. Isso faz parte do programa de inclusão digital. Trabalha-se com programas livres e Linus é a regra. Ver todos aqueles computadores ligados foi para mim uma visão do paraíso. Eu ia enfim atualizar meu trabalho, ter notícias do Brasil. Alguns jovens técnicos enviados pelo governo federal trabalhavam apressadamente sobre as máquinas sob o olhar indignado de Cristina, a antropóloga brasileira.

- Temos todo tipo de problemas, computadores que não funcionam, panes constantes de eletricidade, nenhuma conexão Internet e eles nos mandam técnicos só para mudar o fundo de tela!

- Não há conexão Internet? Você está brincando? – perguntei, com coração palpitando.

- Nao estou brincando. Há dias que estamos assim. Dizem que há um problema com o satélite Simón Bolívar. Todo o sul da Venezuela está afetado e até mesmo a parte norte do Brasil, até Boa Vista.

- Você acha que o problema será resolvido durante nossa permanência?

- Certamente que não.

Meu único consolo era o telefone. Pude fazer ligações a Montreal, explicar meu isolamento a meus amigos que repassariam a informação a outros. Pude igualmente obter os número de telefone que família que iria me acolher em Puerto Ordaz, que me deixou bastante tranquilo.

A ideia de estar só no país me amedrontava. A taxa de criminalidade é um desafio permanente para o governo bolivariano, cujos êxitos nesse campo são reais, mas permanecem insuficientes.

Os problemas técnicos foram comunicados ao chefe de nossa delegação. Nonato franziu a testa, passou uma mão sobre a cabeça, como para convocar os bons espíritos e disse:

- Você tem de fazer algo. Quando não se pode fazer 100%, faz-se 50%, 40%. O importante é avançar.

Heitor e David haviam trazido programas alternativos àqueles que contavam recuperar em rede. A tarefa seria mais longa e mais complicada, mas íamos conseguir pelo menos começar a preparar os jovens universitários autóctones na confecção de mapas de seus territórios. Os alunos foram liberados. Heitor e David começaram a tirar da sacola seus arsenais informáticos e a instalar o necessário até que – oh, não! – uma nova pane de eletricidade nos remeteu à meditação.

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"Com todas essas idas e voltas entre as aldeias, teremos caminhado cerca de 50 km ao final de nossa permanência", disse-me Heitor durante um exercício de utilização do GPS. Os alunos, visivelmente interessados, enchiam seus cadernos com anotações faziam as perguntas mais diversas, não apenas sobre o Sistema de Informação Geográfica. Eles queriam saber mais sobre o Brasil, o Canadá, o frio, o gelo e a neve. De vez em quando, um deles cuspia sangue, passando em seguida a mão na boca para limpar os lábios de uma viscosa saliva. Heitor me explicou: "Deve ser algum problema de gengivas. Olha a boca dele. Como outros jovens, ele tem dentes cariados. Eu escrevi um artigo sobre as conseqüências das mudanças alimentares entre os jovens que vêm estudar na UIV. Eles tinham uma alimentação sadia em suas aldeias de origem, muito mais equilibrada. Na primeira vez que aqui viemos, constatamos que havia uma dieta mais estrita: nada de leite, farinhas brancas ou açúcar. Agora, todas estas porcarias fazem parte do alimento quotidiano."

As contradições, definitivamente, estão em toda parte. A Venezuela continua importando a maior parte dos alimentos que seu povo consome. O aumento da produção endógena, ainda que significativo, não foi suficiente para reduzir esse desequilíbrio, pois houve igualmente um aumento do consumo de alimentos no país. No microcosmo da UIV, fora a criação de peixes, nenhuma produção de alimentos. O nobre discurso da instituição sobre a autonomia autóctone esbarrava no fundo de um prato. Claro, esses problemas bem reais não invalidam o conjunto da experiência, mas deverão algum dia ser enfrentados sob pena de que se tornem o grão de areia que bloqueia a engrenagem.

Luísa viria nutrir minhas inquietações, trazendo novos elementos à minha reflexão. Seu testemunho inicialmente me abalou, fazendo-me compreender que, naquilo que os venezuelanos chamam “o processo”, tudo era mais complexo do que eu havia imaginado.

- Gostaria que você me dissesse como vê os processos políticos em curso em nosso continente. Sobretudo aqueles de nossos países de origem: meu Uruguai e seu Brasil.

- Não posso fazer julgamentos peremptórios sobre o que acontece no Uruguai. De fato, o presidente Tabaré Vasques me chocou com suas posições conservadoras sobre o aborto. Por outro lado, o presidente Mujica entrou no jogo da comparação entre Chávez e Lula, dizendo preferir as opções desse último. Não tenho mágoa dele por isso, mas acho que a política internacional é um grande teatro e cada um tem de cumprir seu papel. Se Lula agisse como Chávez, ele não governaria o país mais de seis meses. Se Chávez agisse como Lula, ele não produziria nenhuma transformação em seu país.

- Justamente. E a Venezuela? Como você vê « o processo »?

- Sem ingenuidades ou hipocrisias. Sabemos que a Revolução bolivariana padece de seus erros, de seus excessos e de suas faltas, mas a política exterior desse governo faz a felicidade dos povos em luta, ainda que seu sistema econômico permaneça ainda, apesar dos discursos, capitalista. Seja como for, não se pode negar que houve uma melhoria nas condições de vida do povo venezuelano.

- Não tenho tanta certeza disso. O povo tem fome, a mortalidade infantil não foi reduzida, a produção de alimentos recua, a criminalidade aumenta. As cooperativas criadas pelo governo são um fracasso e vão à falência sistematicamente. O Estado Lara, antes grande produtor de açúcar, não produz mais nenhum grama. O povo é obrigado a comprar por 10 aquilo que custa 1,70! Os ministérios estão gangrenados pela corrupção e pelo narcotráfico. A saúde é um fracasso absoluto, bem como a educação. Quanto aos bônus que o governo paga às pessoas implicadas nas famosas “missões”, trata-se apenas de uma esmola que só dá pra comprar álcool e cigarros, mas não enche barriga de ninguém. As esmolas do governo desestimulam as pessoas para o trabalho. Temos o maior problema aqui na UIV para encontrar um pedreiro. Os pedreiros não querem mais trabalhar . No plano democrático, é terrível. As pessoas são obrigadas a pôr camisetas vermelhas. A liberdade de crítica não existe. O presidente disse recentemente que ele também reduzia seu consumo de água e levava uma vida modesta. Ora, nós sabemos o preço de suas gravatas. Está tudo na Internet! "

A metralhadora verbal de Luísa deixou-me boquiaberto. A pessoa que eu tinha diante de meus olhos não parecia ser uma ultrafascista da oposição. Ele vive numa casa modesta, dedica seu tempo e suas energias à promoção dos mais humildes. Mesmo assim, seu discurso se assemelhava estranhamente àqueles dos grupos da extrema-direita histórica do Equador, do Brasil ou da Venezuela. E, como se ela estivesse lendo meus pensamentos, Luísa voltou à carga.

- Não pense que sou alguém de direita. Fui guerrilheira no Uruguai. Minha casa foi invadida por policiais que reviraram tudo enquanto eu consolava meus filhos aterrorizados. Entendo que vocês sejam solidários com Chávez na Espanha, no Canadá ou no Brasil, pois sua política exterior frente ao imperialismo é correta, mas não devemos esquecer que há um povo que sofre. E pensar que eu votei duas vezes por Chávez!

Aproveitei o tempo de sua inspiração para dizer algo.

- Cara Luísa, sou-lhe grato por sua reflexões, por sua críticas. Tanto mais na medida em que vêm do interior do processo de mudança atualmente em curso em nosso continente, pois nós lutamos, você e eu, pela liberdade e pela democracia. Que fique bem claro, críticas oriundas de genocidários não me interessam.

- Você não está obrigado a crer em mim. Verifique tudo isso junto a outras pessoas. Posso colocá-lo em contacto com pessoas interessantes. Vejamos... não minha amiga de Barcelona, que é de oposição. Mas você poderia encontrar minha amiga de Valencia, que do mesmo campo que a gente.

- Diante desse quadro catastrófico, você acha, Luísa, que o governo ganhará as próximas eleições?

- Não tenho a menor dúvida. Ou as pessoas votam pelo PSUV ou perdem seus empregos e as esmolas do Estado, que é atualmente o maior empregador do país!

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O encontro com Luísa deixou-me um gosto de “déjà vu”. Já não havia eu ouvido esse tipo de discurso em meu próprio país, o Brasil? Não questiono a boa vontade de pessoas como essa generosa setuagenária, mas sua irresponsabilidade é, devo dizê-lo, sem limites. Esse tipo de atitude revela, não tanto uma realidade do processo de transformação, mas antes uma predisposição psicológica que os venezuelanos chamam "dissociação psicótica". As pessoas atingidas por esse distúrbio negam simplesmente a realidade sem temor de se verem expostas ao ridículo. Luísa não é certamente uma pessoa de oposição, mas faz parte de um grupo identificado desde há muito tempo por certo mestre como os "esquerdistas", que sofrem de uma enfermidade política infantil.

Ora, as estatísticas sobre a Venezuela não são obra de “chavistas" e elas dizem muito sobre o "povo que sofre". A pobreza foi reduzida de 70% a 23%, a miséria passou de 20% a um pouco mais de 5%. A produção de alimentos não recuou no país. Isso simplesmente não é verdade. Ela aumentou, ainda que esse aumento seja insuficiente. As cooperativas não são todas um fracasso. Longe disso. Qual seria pois o crime de Chávez e da Revolução. Não ter transformado o país num paraíso terrestre em apenas alguns anos? O presidente Lula é vítima desse tipo de acusação em permanência.

60 000 pessoas em condições de miséria absoluta circulam pelas ruas do Brasil. Eis uma verdade. Mas também é verdade que pela primeira vez temos um programa que mobiliza sete ministérios da República e todas as associações de populações de rua para resolver esse problema. Mesmo os economistas mais conservadores reconhecem que, com o atual ritmo de redução das desigualdades, por volta de 2020, o Brasil deixará de ser um país injusto. Só podemos constatar que a Venezuela está trilhando o mesmo caminho.

Luísa não mentiu ao falar da falta de açúcar e da especulação sobre o preço desse produto. Mas deu-me tristeza ver como alguém pode falar de um problema sem contextualizá-lo. Houve especulação, é certo, mas o problema já havia sido enfrentado quando Luísa proferia suas críticas. Pena que ela não tenha criticado o fato de que as pessoas ainda consomem essa maldita herança do escravismo e crêem que se trata de um alimento.

Que dizer da corrupção? Essa é uma velha cantilena que a direita entoa cada vez que um governo de esquerda está no poder. Que haja corrupção de funcionários públicos, isso é um fato. Mas daí a dizer que "os ministérios estão gangrenados pela corrupção" há uma grande diferença. E que exagero cometeu Luísa ao dizer que "a saúde é um fracasso total, bem como a educação"! Ora, pela primeira vez, os pobres têm direito a cuidados médicos. Que haja queixas quanto a estes serviços, nada mais normal. Mas isso não quer dizer que eles sejam um fracasso.

Quanto aos bônus que o governo paga àquelas pessoas implicadas nas "Missões", espanta-me a incapacidade de Luísa em perceber que um programa de distribuição de renda é indispensável para dar vida a uma economia popular. E que preconceito imperdoável esse de achar que esses pagamentos não passam de "uma esmola que permite às pessoas comprar cigarros e álcool, mas não de matar a fome".

Não é verdade que as pessoas utilizem essa renda para beber e fumar. Este preconceito sem nenhum fundamento estatístico é constante no Brasil. Ainda que modestos, esses pagamentos representam bilhões que oxigenam a economia de povoados e bairros, multiplicam os pequenos mercados, as atividades artesanais, etc. Numa Venezuela que é o segundo consumidor de whisky no mundo depois da Escócia, tratar os pobres de bêbados constitui um desprezo profundo para com eles, um sentimento vergonhoso que habita até mesmo os corações de pessoas que dizem lutar por uma sociedade mais justa.

E se é difícil encontrar pedreiros na Venezuela de hoje, isso não se deve à preguiça. A explicação é bem mais razoável que o delírio imaginado por Luísa: há construções em toda parte na Venezuela. As construtoras não conseguem achar a mão-de-obra de que necessitam. Por outro lado, chega a ser cômico que digam que as pessoas são obrigadas a participar das manifestações bolivarianas.

Francamente, os Bolivarianos não precisam disso. Eu mesmo vi cerca de 2 milhões de pessoas ocupando as ruas de Caracas em plena sabotagem petroleira, em 2003, quando o país sofria da falta de tudo. Teria Chávez o poder de obrigar as pessoas a sorrir, a gritar seu apoio à Revolução? Quando ao nível de consumo do presidente da República, a mesma acusação é feita ao presidente Lula. Deveria Chávez viajar numa sucata de avião comparado à Serra Leoa depois da guerra? Deveria Lula vestir-se de trapos? Quanto à liberdade de críticas, francamente! Basta olhar a própria televisão de Estado para dar-se conta. Todo mundo critica tudo neste país! Cheguei a ver o grande jornalista e ex-vice-presidente da República, O senhor José Vicente Rangel, expressar um desacordo com o presidente num programa de televisão. Luísa me fez finalmente rir com o sucedâneo do "eu vi na televisão". Agora, os crédulos dizem: "eu vi na Internet."

Para concluir, o suposto passado revolucionário de minha "amiga" não é uma carta branca para dizer bobagens. Eu teria a ocasião de constatar muitas outras incoerências mais no discurso da simpática Luísa, que, finalmente, não tinha nada ver com Denise.

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Os relatos anteriores podem ser lidos nos links abaixo



Relato 1

Relato 2

Relato 3

Relato 4

Relato 5

sábado, 5 de junho de 2010

Relatos de um brasileiro na Venezuela bolivariana - 5

Mais um relato do meu amigo Emerson Xavier sobre a Venezuela.

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Nossos corpos umedecidos pelo suor eram vistos por legiões de insetos como um banquete inesperado em plena noite. O calor continuava arrasador; a sensação de sujeira corporal, insuportável. No entanto, Prudência nos dizia que deveríamos esperar a manha para tomar banho. No caminho do rio, serpentes venenosas poderiam nos surpreender e nos trazer um problema no qual preferíamos não pensar. Melhor seria instalar nossas redes e deixar que o cansaço e o sono se instalassem apesar do desconforto.

Alguns haviam trazido sacos de dormir, mas não iam poder usá-los. A presença de inúmeras espécies de escorpiões tornava pouco recomendável dormir no chão. Em meio a esses pequenos e grandes perigos, a presença de Enjayumi tinha algo de tranqüilizador. Descalço, nu da cintura pra cima, este autóctone Yekwana, coordenador geral da UIV, falava com uma voz calma, capaz de espantar qualquer temor. Perguntei-me como se poderia dizer em sua língua o oxímoro “jovem sábio”. Teria ele adivinhado minhas elucubrações? Em todo caso, mais humorista que filósofo, Enjayumi, assim como fizera seu irmão Arekuna da Grande Savana, atribuiu-me um nome que, segundo seu julgamento, melhor me convinha.

"Você é TEREKUKATO, o que quer dizer, “aquele que não tem cabelos na cabeça".

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Nossa habitação coletiva é uma imensa casa redonda, de taipa, coberta de um teto de palha sustentado por uma estrutura de madeira. Sobre suas paredes externas estão escritos os nomes das dez etnias presentes na UIV: pume, yekwana, piaroa, sanema, karina, pemon, eñepa, warao, yukpa, kuiva. Cada etnia tem sua própria aldeia, onde as casas são construídas segundo cada tradição cultural respectiva. 97 estudantes autóctones escolhidos por suas próprias comunidades estudam na UIV seguindo métodos pedagógicos que a universidade convencional teima em não reconhecer. As atividades começam às 05h45min, quando é preciso ir buscar madeira, apanhar água no rio, preparar as refeições que são tomadas coletivamente. As atividades se terminam às 22h00. As aulas teóricas, dadas em castelhano, são seguidas de exercícios práticos. Avaliação, crítica e autocrítica integram igualmente o pão quotidiano. As aldeias étnicas são distribuídas em círculos concêntricos em volta de um módulo principal em que funciona um “infocentro”, com telefone e computadores conectados à Internet.

Tendo começado apenas em 2002, a UIV acolhe apenas 10 etnias, mas seu projeto é totalmente inclusivo. Os 2 500 hectares desta universidade sui generis podem e devem ser postos ao serviço das 36 etnias atualmente reconhecidas na Venezuela. Autóctones de outros países também são bem-vindos e até mesmo não autóctones, à condição de que falem pelo menos uma língua nativa.


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Às 6 horas, um jovem autóctone veio nos buscar, ao professor Nonato e a mim, para uma reunião de planificação. As ocas da UIV são bem distantes umas das outras e um guia era algo indispensável, nem que fosse para nos ensinar o caminho. Quando chegamos ao local, a reunião já havia começado. Recuperação do mel das colméias, compra de alimentos para a semana vindoura, preparação de um espaço para acolher os médicos cubanos da Missão Barrio Adentro, compra de cadeiras, tudo era exaustivamente discutido pelos presentes.


Os médicos cubanos da Missão Barrio Adentro faziam apenas duas “exigências” para dar plantão na UIV: um lugar para preservar a privacidade da relação médico-paciente e um ventilador!

Nonato fez uma longa exposição sobre o trabalho de cooperação por ele dirigido. Mas seu castelhano era apenas um português com um sotaque supostamente hispano. Cristina, uma jovem antropóloga brasileira, fazia as traduções consecutivas. Sempre com seu chimarrão argentino, Luísa, uma charmosa septuagenária veio me falar ao final da reunião. Ele me fazia pensar em Denise, uma sábia amiga de Montreal, que foi amiga de Camilo Torres e que sempre me faz avançar nessa vida, sobretudo quando puxa carinhosamente minhas orelhas. Mas Luísa não era Denise.


"Notei você. Está louco para provar meu chimarrão, não é mesmo? Infelizmente, tive um câncer bucal e essa “bombilla” é de uso pessoal. Mas eu tenho uma outra em casa. Quem sabe, da próxima vez.” Fiquei intrigado. Às vezes, o que tomamos por uma humilde expressão traz em si estranhas formas de egolatria.


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Primeiro foi um ruído estranho vindo de longe. Depois, pouco a pouco, e cada vez mais rapidamente, força incontrolável da Natureza, aquilo se abateu sobre nossa oca, apavorando lagartixas adormecidas, desfazendo planos de escorpiões prontos para o ataque.

A chuva, enfim a chuva vinha reverdecer os campos feridos por um sol punitivo, que parecia decidido a acabar com todos nós, deixando aos anjos do Senhor a missao de separar os Bons dos Infiéis.

A chuva, que tantas mãos unidas haviam pedido em oração estava ali outra vez, tranquilizando os ternos brotos quanto a seu futuro de árvore, abrindo sobre o solo gretado novos Nilos, novos Amazonas, que formidas aturdidas veriam como filhos do Dilúvio!

A chuva vinha encher nosso rio em risco de se tornar regato, inspirar orquestras de rãs e de pássaros, espessar mangas e cajus, que nos revelariam saudáveis doçuras.

A chuva, bendição do Mais Alto. Eu sair no meio da noite, receber suas carícias sobre meu corpo desnudo, beber suas gotas em espírito de comunhão.

Retorcido em minha rede, despertei para a realidade da grande seca persistente, para o sufocante calor noturno e para aquela dor aguda em minha bexiga que eu devia imperativamente aliviar.


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Os relatos anteriores podem ser lidos nos links abaixo

Relato 1

Relato 2

Relato 3

Relato 4

terça-feira, 1 de junho de 2010

PHA passa a navalha na hipocrisia

Eis (mais) algumas navalhadas disponiveis no Conversa Afiada.

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A Lei Eleitoral é hipócrita. E serve ao Serra





No Brasil, rico não vai para a cadeia.

A lentidão da Justiça é para beneficiar os ricos.

O poder de entrar com recursos é para ajudar os ricos.

Rico não usa algema.

Negro não vai a restaurante chic.

Garçom negro não trabalha em restaurante chic.

Negro só entrou na universidade com o ProUni.

No Brasil ainda tem trabalho escravo.

Tem gente que ousa dizer que o Brasil não é racista.

Quando o Lula fez o Bolsa Familia para dar comida aos pobres, disseram que é o “Bolsa Malandragem”.

Tres familias controlam os meios de comunicação – são os que falam em “Bolsa Malandragem”.

Nessa pseudo-democracia, só quem tem liberdade de expressão são os donos da “liberdade de imprensa”.

A Globo tem 50% da audiência e, com isso, controla 70% da publicidade em tevê, que é 50% de toda a publicidade do país.

A rádio-difusão no país se regula por uma lei de 1961, quando não havia televisão.

O Brasil é o único país da Operação Condor que perdoou os torturadores.

No Brasil, o candidato gasta quanto quiser para se eleger.

E ainda dizem que o Brasil é uma democracia.

Uma das poucas coisas democráticas do Brasil é o horário eleitoral gratuito.

É quando o partido trabalhista pode, teoricamente, enfrentar o poder da grana do partido conservador.

Todo mundo sabe, desde sempre, que o Serra é candidato.

Que usou – e usa – a grana do povo de São Paulo para se eleger.

Serra chegou a anunciar água da Sabesp no Acre.

E a Justiça Eleitoral ?

Caluda !

Todo mundo sempre soube que a Dilma é candidata do Lula.

(Menos o Ciro, talvez.)

Que o Lula não é a Bachelet e não vai deixar os conservadores tomarem o poder, para vender o Bolsa Familia à Wal Mart e o pré-sal aos clientes do davizinho.

Todo mundo sabe.

E fica essa pseudo-democracia do PiG (*) a falar em “pré-candidato”.

Essa pseudo-democracia do PiG (*), que, como diz o Emir Sader – clique aqui par ler – é o maior obstáculo à vitoria acachapante do Serra.

Esse PiG (*) que endeusa os magistrados que dizem o que ele quer.

Juízes que dão HC a passador de bola apanhado no ato de passar bolsa, em nome da Democracia !

E o TSE a perseguir a Dilma e o Lula, em nome dessa pseudo-democracia.

E deixa o Serra solto.

Pura hipocrisia.

Para fingir que o Brasil é uma democracia.

Para ocupar as páginas do PiG (*).

E derrubar o regime trabalhista com um golpe branco (“democrático”).

Sem precisar ir às urnas.

Clique aqui para ver o que diz o Tijolaço do Brizaola Neto, que re-lançou a campanha da legalidade: eleição se ganha no voto.

Honduras, que tal ?

Esse pessoal pensa que o Lula é o Zelaya.

Não é, Feijóo ?

Paulo Henrique Amorim

Clique aqui para ler sobre a face fascista dos moradores de um bairro central de São Paulo.