segunda-feira, 31 de maio de 2010

Eleição se ganha é no voto!

Fica aqui minha humilde contribuição à Campanha pela Legalidade - A Eleição se Ganha é no Voto! convocada pelo deputado federal e blogueiro Brizola Neto.


Você pode decidir sozinho em quem vai votar para Presidente

Parece incrível, mas 25 anos depois da campanha das “diretas-já” e de 20 anos de eleições diretas para Presidente, estamos ameaçados de não poder decidir sozinhos quem queremos ver na Presidência da República.A eleição virou um festival de ações judiciais, advogados, multas, ameaças de cassações, como se decidir o futuro do Brasil dependesse de quem pode mais junto à Justiça Eleitoral. O Brasil é um democracia ou uma juizocracia?

Na democracia, a decisão é do povo. De ninguém mais, por mais sábio que seja.

Ninguém está atacando a Justiça. Ao contrário, queremos que ela faça a eleição ser limpa, justa e a vontade do povo seja soberana.

Mas não é possível que um possa tudo e os outros fiquem mudos.

O Presidente não pode pedir votos, nem pressionar servidor, não pode usar, no palácio, broche, camiseta ou boné de candidato, muito menos botar dinheiro público nas campanhas. Mas não pode ser proibido de falar quem é seu candidato ou sua candidata.

Afinal, com a reeleição, um Prefeito, um Governador e o próprio Presidente não podem ser candidatos, pessoalmente? Se a lei não exige mais que ele deixe o cargo, o que influi muito mais, podem proibi-lo de falar? Ou não querem é que o povo saiba quem ele apóia? Afinal, dize-me com quem andas e te direi quem és, não é?

Nos programas dos partidos, todo mundo sabe que eles promovem os que serão seus candidatos. Falam bem deles, dizem que vão fazer e acontecer. Sempre foi assim, com todos os partidos. Mas, de repente, um partido e uma pessoa não podem e são multadas pela Justiça e outra vai a diversos programas, de outros partidos, o que é proibido por lei, e não acontece nada?

O povo brasileiro lutou muito para voltar a ter eleições diretas e escolher seu presidente ou presidenta. Pode escolher bem, ou escolher mal, mas tem que ser livre para escolher. Não pode depender que a interpretação subjetiva de ninguém, mesmo dos juízes eleitorais,imponha a cassação sumária de pré-candidaturas.

Não se iluda, quando você vir um jornal ou uma televisão dizendo que fulano ou fulana pode ter sua candidatura cassada. Claro que não estamos falando de quem está sendo processado há anos – e você sabe que estes processos se arrastam – por irregularidades eleitorais. Estamos falando de cassações de uma “penada” só, de forma sumária, como se fazia com o AI-5, na ditadura.

Eleição não se decide no tapetão da Justiça.

Eleição se ganha é no voto. WWW.TIJOLACO.COM







Relatos de um brasileiro na Venezuela bolivariana - 4

Continuando os relatos do meu amigo Emerson Xavier, a úlima aventera antes do grupo chegar à Universidade Indígena da Venezuela.

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Fizemos uma pequena parada na cidade de Upata para telefonar a Zelaya, um professor universitário que deveria juntar-se à nossa equipe a partir da cidade de Puerto Ordaz. O grande ônibus brasileiro chamou a atenção dos passantes. Um jovem popular perguntou-me o que vínhamos fazer em seu país. Buscando medir o sentimento político ambiente, disse-lhe que vínhamos em viagem de solidariedade com a Revolução. O rosto do moço iluminou-se. “Aqui, nós somos revolucionários a 100%”, disse-me ele, com firmeza. Tal não foi a reação de um vendedor ambulante de bandeiras nacionais. Lancei-lhe meu balão de ensaio:

- Viva Chávez!

- Ah, não! Chávez não! De jeito nenhum. Viva a Venezuela! - foi sua resposta indignada.

No quiosque onde fomos telefonar, uma mui agradável descoberta. Desde as nacionalizações, as comunicações telefônicas não custam grande coisa na Venezuela. É o oposto do que acontece no Brasil, onde a privataria da sinistra era FHC faz com que paguemos a segunda tarifa mais cara do mundo por um serviço de duvidosa qualidade. E pensar que a direita se orgulhosa de ter feito isso, com todos os estragos que isso representa para a vida quotidiana dos cidadãos e para a economia do país.

Zelaya havia marcado encontro conosco cerca da estação rodoviária de São Felix, cidade contígua àquela de Puerto Ordaz. A 10 de onde estacionamos nosso veículo, vimos um acampamento de famílias indígenas, miserável como as favelas que surgiam como cogumelos depois da chuva no Brasil dos anos 80 e 90.

Crianças indígenas brincavam sobre a calçada e nos observavam com evidente temor. Do interior de nosso ônibus, um membro da equipe cometeu o erro supremo de fotografá-las. A porta do veículo estava aberta. Os motoristas e o professor Nonato haviam descido para espreitar a chegada de Zelaya.


De reprente, um homem invade nosso ônibus perguntando gressivamente quem havia tomado fotos de sua comunidade.


"Vocês não têm o direito de fazer isso sem pedir minha autorização. Sou o chefe dessa comunidade. O que vocês fizeram é uma vergonha!” Ignorávamos ainda que um de nós havia efetivamente cometido tal asneira. Ao cabo de alguns minutos, conseguimos acalmar o homem e convencê-lo de que tudo não passava de um mal-entendido. Ficaríamos sabendo depois que o acampamento em questão era constituído de membros da etnia Warao. Aquelas pessoas haviam sido expulsas de seu território, à beira do rio Caroní, pela seca que então arrasava toda a Venezuela. Zelaya nos explicaria mais tarde que à seca acumula-se a incapacidade das autoridades de lidar com a questão indígena.

No restaurante da rodoviária, pedimos algumas cervejas para aguardar o serviço. “Não servimos álcool nem vendemos cigarros.” – disse secamente a garçonete. Com efeito, novas leis regulamentam a venda destes produtos em todo o território nacional. Com o compreensível apoio das mães de família, o governo lançou uma vigorosa campanha contra o álcool e cigarros acompanhada de medidas repressivas e educativas que os “liberais” viscerais qualificariam de atentado às liberdades doutrinamento ideológico. Isso não impede que tenhamos painéis publicitários gigantescos com a cara de Sting sugerindo o consumo de tal marca de uísque. Evidentemente, há pontos de venta clandestinos que molham as mãos de alguns funcionários corruptos.

Zelaya finalmente chegou em seu carro velho acompanhado de sua jovem esposa. "Só vou poder levá-los até a saída da cidade. Não irei além. Meu sogro faleceu ontem. Estamos em pleno velório." Entrei no seu carro para aproveitar dos poucos minutos e me informar um pouco mais sobre a Revolução em curso. Tal foi nosso pingue-pongue.

- Você acha que os partidos da Revolução sairão vitoriosos nas próximas eleições legislativas de setembro?


- Não tenho a menor dúvida, mas não se deve crer por isso que tudo seja positivo neste processo. Os oportunistas que estão à volta de Chávez, os revolucionários da boca pra fora, são bem numerosos.


- Isso não é nenhuma novidade. Na verdade, sempre soubemos disso desde o começo.

- Sim, mas eu mesmo nunca havia imaginado que esses tipos fossem traí-lo com tanto descaramento.

- Você se refere ao governador que acaba de deixar o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) para aderir ao partido azul, o Pátria para Todos, que apóia a Revolução... mas nem tanto assim?

- Entre outros. Este governador ao qual você faz alusão é um belo exemplo desse gravíssimo problema. Ele teve de escolher entre Chávez e os magnatas de seu Estado. Ele escolheu os magnatas e saiu do Partido..

Zelaya continua:

- E tem mais. A corrupção existe em vários ministérios e permanece um entrave para o avanço do processo revolucionário. A questão indígena é muito mal administrada pelo governo. Que o diga o povo Yupka. Na Universidade Indígena, você poderá talvez encontrar filhos do cacique Sabino, injustamente encarcerado por conta de um conflito com criadores de gado. Pena que você só fique um mês. Não sei se vai ser tempo suficiente para ganhar a confiança deles e daí fazer uma entrevista. Em todo caso, vale a pena tentar.

Claro que vale a pena. Minha decisão estava tomada. Eu tentaria.

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Zelaya voltou ao velório de seu sogro e nós prosseguimos nossa estrada devidamente orientados. Quanto mais avançávamos, mais compreendíamos a dimensão da seca que castiga a Venezuela. O rio Caroní havia baixado de 17 metros! Assim não há Revolução que agüente.

Às 20 horas, estávamos esfomeados e esgotados pelo calor. Três horas de estrada ainda nos separavam da UIV. No céu, uma imensa lua avermelhada nos distraía dos tormentos do calor extremos e dos insetos cada vez mais vorazes. O patrão do albergue onde paramos estava sinceramente desconcertado.

"Senhores, não temos mais nada. A não ser que vocês aceitem um improvisado de macarrão com sardinha”. Com a fome que tínhamos, aquelas palavras soaram aos nossos ouvidos como a mais bela das músicas, um coral da Messa Arcaica de Franco Battiato. O mesmo senhor tão prestativos deu-nos a trágica informação do terremoto ocorrido no Chile.

"Aqui, no Estado Bolívar, estamos protegidos dos movimentos sísmicos, mas Caracas é uma zona sensível. Tomara que nada nos aconteça." Ele falou-nos ainda de seus projetos. Graças à Revolução, ele ia poder contrair empréstimos a taxas razoáveis e aumentar seu estabelecimento. Com alegria antecipada, ele descrevia as instalações de seus sonhos, os quartos com ar condicionado, com opção de ventilador para os alérgicos, os novos banheiros... Seria para acolher todo mundo, inclusive os mais pobres.

- Tenho horror à idéia de dizer não a uma pessoa que eu não poderia acolher em meu hotel só por uma história de dinheiro. Ah, não, isso não!

Nutridos pela comida improvisada e pelo testemunho de tanta boa vontade, percorremos os últimos quilômetros que nos separavam de nosso destino. Um mata espessa resistia às margens do rio e de seus afluentes, contrastando com a vasta savana seca e queimada até a tristeza. A hostilidade do meio ambiente nos lembrava que somos os principais responsáveis por esses desequilíbrios geocidas. Em poucos minutos, fui vencido pelo calor e pelo cansaço.

Chegávamos à cidade de Maracaibo, uma das maiores metrópoles venezuelanas. A luz incandescente da cidade me aturdia. Parecia que todas as lâmpadas de todos os andares dos gigantescos edifícios permaneciam acesas. Não respeitam pois o racionamento elétrico imposto pelo governo? Minha principal preocupação era telefonar a David Baéz, o segundo presidente da Sociedade Bolivariana do Quebec, trabalhando atualmente como professor de economia na Universidade. Ela era meu único contacto em Maracaibo e eu já começava a me angustiar com a idéia de não achar seu número de telefone quando a voz do professor Nonato me arrancou de meus delírios oníricos:


- Pronto, rapaziada! Chegamos à Universidade Indígena da Venezuela!


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Os relatos anteriores podem ser lidos nos links abaixo
Relato 1
Relato 2
Relato 3

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Debaixo do tapete ou atrás do muro

Nunca vi cartão postal que se destaque uma favela
Só vejo paisagem muito linda e muito bela
(Rap da Felicidade - MC Júnior & MC Leonardo)
As paisagens lindas e belas do Rio de Janeiro escondem o que de há pior na cidade: a desigualdade gritante. Resolver a desigualdade? Enfrentar o problema? A solução de nosso prefeito foi maquiagem.
Já postei sobre o varsovização da cidade como política de urbanização de nosso prefeito. Novamente, quem trata do assunto é a Agência Brasil de Fato.
Os detalhe sórdido é a que os muros serão pintados com os pontos turísticos da cidade. Desta vez, o cartão-postal se interpôs entre a favela e observador. Eles foram além da poesia do rap carioca ou Metrópolis.
A fora a ficção, Eduardo Paes e sua obra lembram muito mais Hans Frank e a obra deste, infelizmente, pra nós.

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Mais um muro de esconder pobre
por Admin última modificação 19/05/2010 13:33

Alegando criar “barreiras acústicas” para proteger comunidades do som dos carros, Prefeitura está construindo um muro nas rodovias que cercam o Complexo da Maré

19/05/2010
Leandro Uchoas (RJ)
do Rio de Janeiro
Leia mais:
Concessão para sempre
Engajamento que dá samba
“O que você faria com R$ 20 milhões?”. Assim começa um vídeo produzido por jovens moradores do Complexo da Maré. À pergunta, seguem respostas de habitantes das 16 favelas do complexo, defendendo investimento nas mais diversas demandas da região, uma das mais pobres do Rio de Janeiro. Infra-estrutura, restauração ambiental, esporte, educação. São muitas as necessidades do bairro.

No entanto, esses milhões de reais estariam sendo gastos na construção de muros para cercar por todos os lados as comunidades. Chamado na região de “Muro da Vergonha”, ele está sendo levantado desde novembro, em parceria com a Lamsa, empresa que administra a Linha Amarela (rodovia do Rio de Janeiro). A Linha Vermelha também está recebendo as obras. Cerca de 520 mil veículos circulam diariamente pelas vias.


O governo municipal chama os 7,6 quilômetros de muro a ser construídos de “barreiras acústicas”. Módulos de 38 metros de comprimento por três de altura já estão sendo instalados. A Prefeitura afirma que o objetivo principal é proteger as favelas do barulho dos carros. O prefeito Eduardo Paes (PMDB) chegou a afirmar que era um absurdo “apenas a classe média ter barreiras acústicas”, sem explicar onde elas existem.

Contudo, o secretário estadual de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, chegou a referir-se ao projeto como política pública de combate à violência e admitiu ter pedido ao prefeito a implantação do muro na Linha Vermelha. No vídeo – produzido pelo engajado bloco carnavalesco Se Benze Que Dá –, chama a atenção o momento em que um morador cai na gargalhada ao saber que o muro é denominado de barreira acústica.

No dia 8, os moradores da Maré fizeram um ato de repúdio à construção do muro. Organizado pelo Se Benze Que Dá, reuniu cerca de 400 pessoas na praça principal da favela Nova Holanda. Após um show dos músicos da Associação dos Profissionais e Amigos do Funk (Apafunk) e da exibição do vídeo, os moradores discursaram. “A favela tem que ser vista como parte da cidade. Não tem porque segregar”, disse Gizele Martins, editora do principal jornal mareense, O Cidadão. Renata Souza, do mesmo jornal, pregou a união dos meios de comunicação do Complexo no enfrentamento do problema.

Os moradores alegam não terem sido ouvidos para a instalação do muro. Teriam recebido a notícia pela imprensa. Entretanto, recentemente, a prefeitura e a Lamsa chegaram a conversar com algumas associações de moradores do complexo de favelas. “A Lamsa trouxe outro discurso às comunidades. Em troca da construção do muro, prometeram investir em atividades culturais na Maré por dez anos. Quem quiser pode inscrever projeto que ganha dinheiro. Então, dizem que a população apoia, mas na verdade a população foi comprada”, denuncia Jandra Nobre, fundadora do Se Benze Que Dá. Existem mais de cem ONGs em atividade na Maré.

Sede de competições
A instalação do muro tem sido vista como parte dos projetos de preparação da cidade para a Copa do Mundo e as Olimpíadas. A Linha Vermelha é o principal acesso ao Aeroporto Tom Jobim, de onde chegarão os turistas de voos internacionais. Ter à vista, como primeira paisagem, o cenário de pobreza do Complexo da Maré poderia interferir na imagem da cidade. Não por acaso, as barreiras mostram, pintadas, as curvas famosas do Rio de Janeiro. As formas do Pão de Açúcar e dos morros Dois Irmãos, por exemplo, estão desenhadas em vários dos pequenos blocos do muro. “Eles usam essas imagens para nos esconder”, protesta Anísio Borba, responsável pelo site do bloco.

Em 2004, houve tentativa semelhante de murar os acessos às rodovias pelas favelas. Um projeto na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) visava a construção. As comunidades se mobilizaram, lideradas pela Rede Maré Jovem, hoje inexistente, e conseguiram derrubar a proposta. “Agora eles trazem de volta, com nova roupagem. Chamam de barreira acústica para ter argumento. Querem segregar a Maré. A gente não precisa de muro”, afirma Jandra. Luiz Paulo Conde, secretário Municipal de Meio-ambiente em 2004, também teria apresentado projeto semelhante.


Carta aberta
Durante o ato, os moradores lançaram a “Carta aberta contra os muros nas favelas cariocas”. O texto faz conexão entre a construção do muro e a política de segurança do governo estadual. Em um trecho, diz que existe uma “incontestável associação desses territórios (favelas) com a criminalidade, a ilegalidade e a pobreza que orientam a formulação de políticas públicas e o discurso das mídias empresariais. São exemplos desse processo de marginalização a remoção de favelas, a criminalização do funk e a ação policial violenta”.

Presidente da Apafunk, MC Leonardo afirmou, durante o ato, que “esse modo de segregação não está em andamento apenas na Maré”. Há um ano, estão em construção em algumas comunidades do Rio de Janeiro onze quilômetros de muros, com o suposto objetivo de conter a expansão rumo à Mata Atlântica. O projeto enfrentou fortes resistências, chegando a ser criticado por José Saramago em seu blog pessoal. Mas prosseguiu. Foram disponibilizados para o projeto R$ 40 milhões. Os muros são oficialmente chamados de “ecolimites”. Das treze favelas contempladas, onze ficam na Zona Sul, região rica da cidade. Favelas que sequer cresceram nos últimos dez anos foram contempladas pela medida. Na época da instalação, o Instituto Pereira Passos (IPP) divulgou dados revelando que as comunidades contempladas tinham índice de expansão significativamente menor do que a média do estado.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Tijolaço trouxe matéria sobre acordo com o Irã

O Tijolaço, do Brizola Neto, é uma das frentes mais combativas que temos na blogosfera.


Não dá pra contar com a imprensa nacional na maioria dos assuntos. Entre eles, a questão do Irã.


Felizmente, a blogosfera dá de dez no PIG.

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Reuters dá detalhes de acordo com Irã
domingo, 16 maio, 2010 às 21:14

Estou indo buscar nas agências estrangeiras mais detalhes sobre o acordo Irã-Brasil-Turquia, porque a nossa imprensa…O matarial mais detalhado que achei é o da Reuters, que transcrevo a seguir:

“TEERÃ (Reuters) – A Turquia disse neste domingo que o Irã aceitou um acordo de troca de combustível nuclear que poderá ajudar a encerrar o impasse de Teerã com o Ocidente acerca do programa atômico iraniano.

Detalhes sobre o acordo não foram divulgados imediatamente por autoridades brasileiras e turcas que estão mediando a disputa iraniana com as potências mundiais, que suspeitam que Teerã de estar desenvolvendo secretamente uma bomba nuclear.

O ministro do Exterior da Turquia disse que um anúncio oficial pode ser feito na segunda-feira, após revisões finais pelos presidentes do Brasil e Irã e pelo primeiro-ministro turco.

“Sim, isso foi alcançado após quase 18 horas de negociações”, disse o ministro do Exterior da Turquia, Ahmet Davutoglu, a jornalistas em Teerã quando questionado se haveria um acordo.

Mais cedo, o primeiro-ministro da Turquia, Tayyip Erdogan, voou para Teerã para juntar-se ao presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, que estava negociando com autoridades iranianas, em um movimento que autoridades ocidentais e russas classificaram como provavelmente a última chance de evitar novas sanções da Organização das Nações Unidas (ONU) contra o Irã.

Um acordo apresentado pela ONU em outubro oferecia ao Irã que enviasse 1.200 kg de urânio de baixo enriquecimento –o suficiente para a fabricação de uma bomba se enriquecido no patamar necessário– para a França e para a Rússia, onde seria convertido em combustível para um reator de pesquisas em Teerã.

O Irã afirmou na época que só trocaria o seu material por urânio em níveis maiores de enriquecimento e somente no seu próprio território, condições que as outras partes envolvidas no acordo consideraram inaceitáveis. O Irã nega que está buscando construir uma bomba atômica.

“Estou indo ao Irã porque uma cláusula será acrescentada ao acordo que diz que a troca será feita na Turquia”, disse o premiê mais cedo.”

Lula, Dilma, por favor, precisamos de um Samuel Wainer, urgentíssimo!

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Em Cuba, a oposição quer "representar o povo sem ter seu apoio"

Renan Calheiros definiu o problema da oposição no Brasil: é uma minoria com complexo de maioria. Ou seja, o caso é de psiquiatria, só pode ser uma psicopatologia.

Como isso se estende a outas oposições, como a venezuelana, a equatoriana e a cubana, fica minha humilde sugestão aos estudiosos da mente: alguém, por favor dê um diagnóstico para isso, dê um nome essa doença.

Aqui diz-se que não há democracia em Cuba. Em matéria de Hideyo Saito, publicada em Carta Maior, essa tese cai por terra. O curioso é que o texto é cheio de citações de Fernando Ravsberg repórter da BBC, que com sabemos, e deve estar em alguma aula de Olavo de Carvalho, é um ninho de comunistas.

Os grifos são meus, assim como os textos entre colchetes.

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Eleições cubanas têm participação de opositores
Oposição faz campanha livremente, mas a mídia dominante ignora as eleições municipais cubanas, que acabam de ser realizadas. Ao lado da participação exercida diretamente pela população, elas são parte da atual democracia cubana. O povo cubano está satisfeito? O tema da participação popular e da eficácia do sistema de representação tem sido discutido nas assembleias populares. Muitos dizem que o parlamento é eleitoralmente democrático, mas os deputados têm pouca autonomia para decidir. O artigo é de Hideyo Saito. Hideyo Saito (*)

Ocupada em denunciar a suposta ditadura existente em Cuba, quase toda a mídia dominante brasileira ignorou as eleições municipais cubanas, que acabam de ser realizadas, inclusive com participação de setores dissidentes. O primeiro turno aconteceu em 25 de abril e o segundo, nas circunscrições em que ninguém obteve maioria absoluta, em 2 de maio último. Foi o 14º pleito consecutivo desde a institucionalização da revolução cubana, em 1976, quando foi aprovado, em referendo popular, o texto da Constituição Socialista, após um processo de exaustivas discussões em locais de trabalho, em escolas, em bairros e em comunidades rurais de todo o país. Importantes alterações surgiram dessa mobilização, que se estendeu por dois anos: a comissão de redação teve de alterar o preâmbulo e cerca de 60 dos 141 artigos originais do anteprojeto.

Nas últimas eleições, dos 37.766 candidatos para as Assembleias dos 169 municípios do país, indicados diretamente pelos moradores em cada circunscrição (área de mais ou menos uma quadra), os negros e mulatos somavam 41,3% e as mulheres, 35,76%. Os postulantes à reeleição eram 60,9%. Três quartos deles nasceram após a vitória da revolução, em 1959, e 87,3% têm o ensino médio completo ou formação universitária. Pouco mais de 8,2 milhões de cubanos (aproximadamente 94,7% dos eleitores) participaram do primeiro turno, enquanto no segundo e no terceiro (convocado em três circunscrições, onde nem mesmo a segunda votação apontou um vencedor) compareceram às urnas 1,65 milhão (89,67% do total) [segundo o TSE, a abstenção no segundo turno da eleição presidencial 2006 foi de 18,9% e nas eleições para vereador e prefeito foi de 14,5%]. O voto é facultativo [na nossa democracia liberal o voto é obrigatório, e mesmo assim a abstenção é menor] e podem exercer esse direito todos os cubanos a partir de 16 anos de idade. A presidente da Comissão Eleitoral Nacional, Ana María Mari Machado, informou que, no primeiro turno, os votos válidos superaram 91% do total, enquanto as cédulas em branco somaram 4,58% e as anuladas, 4,33% (1).

A campanha eleitoral dos dissidentes

O manto de silêncio erguido por quase todos os oligopólios da comunicação foi furado pela Agência BBC Mundo, que cobriu o processo eleitoral, não deixando de registrar a participação de setores contrários ao governo (2). Matéria assinada pelo correspondente em Havana, Fernando Ravsberg, relata que um grupo de opositores fez campanha em todo o país, com o objetivo de conquistar apoio para seus candidatos nas assembleias das circunscrições eleitorais. Um dos líderes do grupo é Silvio Benítez, que se apresenta como presidente do Partido Liberal. Ele reconhece que as organizações de oposição têm pouca penetração, mas acredita que elas podem crescer.

A reportagem da BBC acompanhou a assembleia eleitoral em que Silvio se indicou candidato, em Punta Brava, nos arredores de Havana. Segundo Ravsberg, estavam presentes cerca de 120 eleitores. Houve críticas e questionamentos tanto ao governo como ao dissidente postulante, mas sem agressões, insultos e muito menos repressão. O único guarda que o jornalista observou estava ocupado com o trânsito de veículos na rua em frente. Na assembleia, alguns moradores propuseram indicar para reeleição a atual delegada, uma médica pertencente ao Partido Comunista, enquanto Silvio se apresentou como candidato opositor. A médica obteve 50 indicações, enquanto o dissidente recebeu 20. Houve ainda 50 abstenções.

Ravsberg concluiu que Benítez não conseguiu ser indicado, mas “fez com que muita gente se abstivesse”. Após a eleição propriamente dita, a BBC acompanhou a apuração dos votos (também realizada publicamente) no colégio eleitoral correspondente à mesma circunscrição, e constatou que houve crescimento do número de pessoas que não votaram em nenhum dos candidatos: a soma de abstenções, votos anulados e em branco chegou a 20% dos eleitores (a média nacional, como vimos acima, foi de aproximadamente 15%). Silvio Benítez diz que está disposto a fazer um trabalho “casa por casa, como os Testemunhas de Jeová”, para conquistar o apoio de pessoas que já não votam na proposta governamental (3). Em sua campanha, ele procurou “questionar as barbaridades e a manipulação do governo, as farsas e as faltas de resposta ao povo”, segundo suas inflamadas palavras.

Não há veto, mas oposição teme mostrar falta de votos

O correspondente da BBC Mundo escreveu que era a primeira vez que os dissidentes cubanos participaram de eleições oficiais no país, mas ele mesmo já havia produzido matéria relatando como, em 2007, o candidato Gerardo Sánchez, apresentando-se como dissidente, obteve apenas 5% dos votos dos moradores de sua circunscrição. Na reportagem, Gerardo criticou os grupos dissidentes por se afastarem do processo eleitoral: “Quando me dizem que a oposição está forte em algum bairro, eu pergunto se ela tem condição de apresentar candidato. Se me respondem ‘não’, concluo que não é verdade o que me estão dizendo” (4). Ele é irmão de Elizárdo Sánchez, o presidente da Comissão Cubana de Direitos Humanos, um dos heróis mais festejados da mídia dominante, que, entretanto, jamais quis se apresentar candidato.

Como vimos, não há qualquer restrição à campanha e à participação dessas pessoas. O que acontece é que a maioria prefere ficar à margem para não tornar visível a sua falta de popularidade. Eles preferem pregar o voto nulo. O presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais da Assembleia Nacional, José Luis Toledo, declarou à BBC: “Se eles alcançarem representatividade suficiente para que o povo os indique e depois vote neles, serão representantes. O problema é querer representar o povo sem ter seu apoio” [sofrem da mesma doença que a direita brasileira, minoria com complexo de maioria].

As eleições municipais acontecem a cada dois anos e meio, enquanto as provinciais e as nacionais, a cada cinco. Todas são por voto popular direto [está claro que é uma DITADURA]. Os candidatos às assembleias municipais são indicados diretamente pelos moradores de cada circunscrição entre seus vizinhos, enquanto os das provinciais e nacionais são indicados por uma comissão de candidatura constituída por representantes das seis principais organizações de massa de caráter nacional: Comitê de Defesa da Revolução, Federação das Mulheres Cubanas, Central de Trabalhadores de Cuba, Federação Estudantil Universitária, Federação dos Estudantes do Ensino Médio e Associação Nacional dos Pequenos Agricultores.

O Partido Comunista de Cuba e a União de Jovens Comunistas não apresentam candidatos nem participam, como tal, do processo, pois não têm caráter eleitoral como nas democracias capitalistas. Também não há propaganda política, nem marqueteiros, nem dinheiro influenciando o voto popular [mais um sintoma da mesma doença, confundir plutocracia com democracia]. A única divulgação dos candidatos é feita através de folhetos preparados pela comissão eleitoral e afixados em locais públicos, com uma pequena biografia e uma foto de cada postulante, além de debates dos postulantes com os moradores.

Eleitos continuam a receber o mesmo salário, sem mordomia

Os delegados eleitos escolhem, entre seus pares, o presidente e o vice da Assembleia Municipal, órgão que tem a responsabilidade de administrar e fiscalizar os serviços públicos e as empresas industriais, comerciais e de prestação de serviços que estiverem sob jurisdição de seu município. Indicam, também dentre os eleitos, os membros do Conselho Popular, estrutura permanente para apoiar o trabalho dos delegados municipais. Todo representante cubano deve prestar contas de sua atuação, em reuniões convocadas periodicamente para essa finalidade, aos cidadãos de sua base eleitoral ou ao órgão que o indicou. Ele está sujeito à revogação de mandato por insuficiência de desempenho ou por conduta incompatível com a representação popular [hereges, que povinho é esse que ousa tomar o poder de seu representante?]. Assim, delegados municipais podem ter seus mandatos interrompidos pelos eleitores da circunscrição; representantes provinciais e nacionais, pelas Assembleias Municipais que aprovaram suas candidaturas; presidentes e vice-presidentes das assembleias dos três níveis, pelos respectivos órgãos que os elegeram. Os membros do Conselho de Estado podem ser destituídos pela Assembleia Nacional. Na esfera municipal, estima-se que, a cada legislatura, entre 7% e 12% dos delegados perdem suas representações dessa maneira (5).

Os representantes eleitos, em todos os níveis, permanecem com o mesmo salário de seus empregos e ocupações anteriores à eleição. Além disso, continuam a desempenhar seus ofícios nos centros de trabalho a que são vinculados, enquanto exercem seus mandatos [ou seja, se votarem contra os interesses da base, ou contra a plataforma eleitoral, terão que encarar os eleitores de cara limpa]. Os únicos dispensados disso são os que devem dedicação exclusiva aos respectivos órgãos (caso dos presidentes e vice-presidentes do Poder Popular nos três níveis e também dos deputados que participam de comissões temáticas permanentes). Quando estritamente necessário para o cumprimento de suas obrigações políticas e administrativas, utilizam veículos da frota oficial ou recebem passagem aérea específica. Ninguém possui cota de dinheiro público para gastar a bel-prazer, nem autonomia para contratar assessor ou incorrer em quaisquer despesas extras destinadas a seu gabinete (6).

Democracia ou ditadura?

Bem ou mal, esse é o sistema eleitoral que, ao lado da participação exercida diretamente pela população em diversos momentos, conforma a atual democracia cubana. Os cubanos estão satisfeitos? Em sua cobertura das eleições de 2010, a BBC Mundo ouviu diversos eleitores. Uma delas revelou que se absteve pela primeira vez, garantindo que só voltará a participar se for para eleger o secretário municipal do Partido Comunista, “que é quem pode mudar as coisas”, enquanto outros declararam haver votado para manifestar apoio à revolução e a suas lideranças. Toledo, o já mencionado presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais do parlamento, reconhece as limitações de poder dos representantes municipais, mas atribui o fato às severas restrições orçamentárias do país [ah, o tal do embargo, em vez deles aceitarem a democracia liberal e toda miséria que vem junto com os carros modernos, com as calças CK e McDonald's], uma vez que a maioria das reivindicações da população depende, para sua solução, de recursos financeiros hoje indisponíveis.

O tema da participação popular e da eficácia do sistema cubano de representação tem aparecido igualmente nos debates populares, especialmente entre intelectuais. O subdiretor da revista Casa de las Américas, sociólogo Aurelio Alonso, por exemplo, afirma que vigora em Cuba uma institucionalidade demasiado estatizada e burocratizada, com um nível limitado de participação nos âmbitos decisivos. Para ele, as próprias discussões da Assembleia Nacional deixam a desejar, pois frequentemente têm caráter apenas formal. O parlamento é eleitoralmente democrático, mas os deputados têm pouca autonomia para decidir, em sua avaliação. Alonso entende que uma das alterações necessárias implica a redefinição do papel do próprio Partido Comunista, que não pode abranger a direção do Estado, atribuição que pertence a todo o povo.

O escritor Enrique Ubieta questiona os conceitos de democracia, de direitos humanos e de liberdade usualmente manejados pela direita em sua campanha contra Cuba. “Nós temos, sim, a nossa democracia. Acontece que nosso modelo não é igual, por exemplo, ao que existe na Espanha. Mas sob muitos aspectos, é mais autenticamente democrático. Nosso sistema eleitoral não é perfeito, mas ele não elege os candidatos com mais dinheiro. É possível discutir como aperfeiçoá-lo, mas não se pode decretar que não seja democrático” (7).

Enquanto isso, na tão admirada democracia britânica ...
[monarquia democrática é oxímoro]

O breve relato acima, baseado em informações de um tradicional órgão de mídia insuspeito de ser comunista, desmente (ou, no mínimo, põe em dúvida) assertivas autoritariamente impostas pelos oligopólios da comunicação e por seus prestimosos acólitos. Uma delas sentencia que Cuba é uma ditadura. Outra reza que, naquele país, não é possível criticar o governo sem ser preso ou reprimido. Uma terceira garante que os 56 presos do julgamento de 2003 foram postos na cadeia por serem contrários ao governo. E assim por diante. Essas proclamações são olimpicamente reafirmadas a cada momento, por mais que sejam desmentidas pelos fatos.

Enquanto isso, as recentes eleições britânicas deram nova demonstração de que a democracia liberal dos países capitalistas avançados não tem lá muito cabedal moral para ser imposta como modelo para o mundo, como pretendem os setores dominantes vocalizados por aquela mídia oligopólica. O colunista do The Guardin, Gary Younge, por exemplo, interpretou o voto do povo britânico como uma manifestação contra a claudicante democracia naquele país, permanentemente frustrada pelo poder econômico [democracia ou plutocracia, that is the question]. “Em última instância, são eles (os banqueiros e demais representantes do capital) que decidirão o quão rápidos e brutais serão os cortes iminentes das despesas públicas. Além do que, é seu endosso – não o do eleitorado – que os políticos buscam (...) Essa contradição entre democracia e capitalismo não é nova. Mas, durante este período de crise financeira e econômica na Europa, ela ficou particularmente aguda”, fulminou Younge, para completar: “Assim, o setor que nós salvamos com dinheiro público, administrado por pessoas incompetentes que novamente estão se pagando grandes bonificações, agora ameaça desestabilizar o próximo governo, caso ele não demita milhares de trabalhadores mal pagos, reduza seus salários e acabe com os serviços que presta a milhões de pessoas pobres” (8). Onde está mesmo o poder do povo, isto é, a democracia, nesse tão incensado regime de Sua Majestade?

Aliás, os exaltados inimigos de Cuba, convictos de atuar em nome da democracia, devem tomar cuidado em sua cruzada, para não se igualarem demasiado a seus companheiros de trincheira de Miami, cuja convicção democrática não parece ser tão profunda, como exemplifica o artigo “Mi valiente y sensible coronel”, publicado por Mirta Ojito em El Nuevo Herald, porta-voz dos exilados cubanos (9). A autora pede, nada mais, nada menos, que os militares dêem um golpe de estado em Cuba, já que as manifestações populares (em Nova York e em Miami) e os artigos de jornais (como o dela) não têm conseguido derrubar o regime de Havana.


(*) O autor é jornalista, com passagem pela Rádio Havana. Tem concluídos os originais de um livro que relata a situação atual do país, sob o título provisório de “Cuba sem bloqueio: a revolução cubana sem as manipulações impostas pela mídia dominante”, com a colaboração de Antonio Gabriel Haddad.


NOTAS

(1) Os números são de reportagens publicadas no jornal Granma de 27/04/2010 e de 04/05/2010.

(2) Fernando Ravsberg. Disidentes cubanos en campaña electoral. BBC Mundo, 13/03/2010. http://www.bbc.co.uk/mundo/america_latina/2010/03/100312_0021_cuba_disidentes_elecciones_gz.shtml.

(3) Idem. Cubanos votaron, no se esperan cambios. BBC Mundo, 26/04/2010. http://www.bbc.co.uk/mundo/america_latina/2010/04/100425_cuba_elecciones_municipales_resultado_jaw.shtml.

(4) Fernando Ravsberg. Cuba: elecciones municipales. BBC Mundo, 20/10/2007 (http://news.bbc.co.uk/hi/spanish/latin_america/newsid_7052000/7052517.stm, acesso em 19/04/2009).

(5) Ver http://www.nodo50.org/cesc/Documentos/Charla.E.Valdes.251105.pdf.

(6) Após uma solenidade no Palácio das Convenções de Havana, em dezembro de 2006, vimos o presidente da Assembleia Nacional, Ricardo Alarcón, ser recolhido por uma viatura daquele órgão. Quando o carro (um automóvel da montadora russa Lada, da década de 1980) chegou, ele abriu a porta, cumprimentou o motorista familiarmente e entrou. Nenhum séquito de cortesãos e de guarda-costas, nenhuma pompa, nenhum luxo. Tratava-se de uma das maiores autoridades do governo cubano, que não se diferenciava de um cidadão comum.

(7) "Esquerda não pode aceitar definição da direita para democracia". Portal Vermelho, 28/04/2010. http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=128383&id_secao=7.

(8) Gary Younge (The Guardian). Não vamos permitir que os mercados atropelem as urnas. O Estado de S. Paulo, 11/05/2010.

(9) Ver em http://www.elnuevoherald.com/2010/04/04/689025/mirta-ojito-mi-valiente-y-sensible.html.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Relatos de um brasileiro na Venezuela bolivariana - 3

Dando continuidade aos relatos do meu amigo Emerson Xavier, publico a descrição de como se faz a ocupação de um espaço público em um país onde o povo exerce seus direitos e faz valer sua opinião.

A assembleia é pra discutir a construção de um centro esportivo. Os que falam da falta de democracia na Venezuela deveria procurar saber o que ocorre lá. Lendo o relato do meu amigo, pensei na nossa Vila Olímpica.

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No dia seguinte à grande manifestação pelo retorno à democracia, minha amiga Egla convidou-me a uma reunião de representantes de Conselhos Comunais de Parque Central com diretores do Centro Simón Bolívar. Parque Central é um conjunto residencial onde residem 1.300 famílias, situado bem no centro de Caracas.


No monumental desenvolvimento urbano encontram-se as Torres Gêmeas de Parque Central, que, durante décadas, foram um verdadeiro ícone da arquitetura caraquenha. Estas torres são os edifícios mais altos de toda a América do Sul. O Centro Simón Bolívar é uma instituição encarregada da administração dos espaços urbanos. Naquela noite, a sala 4 do Parque Central estava repleta. Contei à minha chegada umas cem pessoas, mas a massa continuava afluindo.

Dois burocratas e uma arquiteta começam uma apresentação de slides do novo Centro Desportivo que o Centro Simón Bolívar pretende construir no bairro. Este Centro terá salas de aula e espaços para as reuniões dos Conselhos Comunais.

Ao fim da apresentação, uma senhora loura, estrategicamente sentada no meio da primeira fila puxa um slogan revolucionário que a multidão geralmente entoa quando Chávez anuncia medidas revolucionárias: “Así, así, así que se gobierna!” E em seguida: “Patria Socialista o Muerte!” A palabra é dada em seguida o público presente.

Uma jovem senhora faz a primeira intervenção. “Primeiramente, faço questão de saudar o fato de que é a primeira vez que os Conselhos Comunais são considerados na elaboração de um projeto desse tipo. No entanto, onde vocês previram instalar esse novo centro? Se for na quadra de jogos da rapaziada, não estou de acordo. Tem mais. Em Revolução, o esporte é muito mais que um conjunto de exercícios musculares. Lembremo-nos de que, no Socialismo, o projeto integral é: esportes, formação e saúde. Esse projeto não prevê serviços de saúde para os usuários. Haverá medicina desportiva para determinar se uma pessoa é apta para praticar tal ou tal esporte?”

Um dos burocratas replica: « Mas em breve será construído um Centro de Diagnóstico Integral no bairro!”

“Não é a mesma coisa – insiste a senhora – Nós queremos um projeto integral!”

O burocrata parte para a sedução.

“Lembrem-se vocês que a construção do Centro Esportivo vai criar empregos para a Comunidade. Não devemos atrasá-la.”

Uma senhora idosa se queixa do fechamento de um centro odontológico e da inação da Guarda Nacional para combater a insegurança da área. Os burocratas se limitam a dizer que vão entrar em contacto com seus superiores para impedir o fechamento do centro.

Uma delegada do Partido Socialista Unido da Venezuela, PSUV, usando orgulhosamente uma camiseta vermelha, exige uma mesa de negociação para modificar o projeto. Minha amiga Egla diz a mesma coisa e acrescenta uma série de questionamentos. Que tipo de janela foi previsto? Vai ser possível evitar a instalação de aparelhos de ar condicionado? Pensaram na mudança climática atualmente em curso?

Os burocratas se põem a discutir entre eles e minha amiga Egla pára imediatamente de falar. A multidão protesta furiosamente e pede que ela continue. Egla fuzila com o olhar os burocratas conversadores : "Quando a fala é pra ser escutada".

Os burocratas se calam e ela continua: "Os Conselhos Comunais têm de ser ouvidos a cada etapa da elaboração dos projetos. Nós queremos saber que materiais serão usados, se haverá reciclagem e como a concepção prevê a integração das crianças marginalizadas."

Pela primeira vez, a jovem arquiteta toma a palavra. “Às vezes, a comunidade fala demais. Não pra administrar isso. Esse projeto foi concebido com a participação da comunidade há 5 anos. Mas ele foi esquecido e engavetado. Nós tiramos a poeira desse dossiê para oferecer um presente à comunidade."

Sem saber, a jovem arquiteta acabara de provocar um incêndio. As intervenções se sucederam.

“Nós estamos em Socialismo. O termo “presente” é uma ofensa para Revolucionários!” Pálida, a arquiteta pede desculpas. O burocrata chefe toma-lhe o microfone.

-Este projeto, nós o executamos e vocês vão administrá-lo. Nós podemos aceitar sugestões, mas há coisas que não podem ser modificadas. Os créditos já foram aprovados.

- Então pra quê consultar a gente?- se insurge uma senhora do fundo da sala. Outra mulher interveio. “Eu também sou engenheira. Vocês deveriam ter previamente consultado a comunidade, essa comunidade aqui, que não estava presente há 5 anos atrás.” A mulher interrompe sua fala sob os protestos da multidão. “Os senhores gostariam que eu desse as coisas na hora em que estão falando?” Completamente ultrapassados pelos acontecimentos, os burocratas multiplicam suas desculpas. “ Minha função aqui é ouvir as queixas de vocês e levá-las à direção do CSB.”

Quando o presidente Chávez se declara feminista, é que ele tem boas razões para tal. As mulheres revolucionárias são numerosas na composição do governo. Numa assembleia como essa, só dois homens intervieram. E foi ainda uma mulher que tomou a palavra.

“Este projeto foi concebido antes da organização do Poder Popular. É preciso pois atualizá-lo. No passado, a mao-de-obra empregada nos projetos quase não vinha da comunidade. As construtoras e as máfias sindicais entravam em acordo para excluir os comunitários. Dessa vez, nós queremos saber qual será a empresa responsável da execução do projeto para que estejamos seguros de ter empregos para nós.”

Outra senhora falou sobre a atualização do projeto. “Nós podemos modificar todo o projeto. Chávez é nosso grande mestre e ele nos ensinou que nós devemos exercer o poder popular. Vocês são profissionais, mas vosso profissionalismo foi marcado por uma escola positivista. A questão é que hoje em dia nós somos mais socialistas do que ontem. E é preciso participação popular para construir o socialismo. Nós estamos aprendendo a nos adaptar aos novos tempos. Nós e vocês. Não é fácil discutir com a comunidade, isso é verdade, porque nós estamos mais preparados e somos mais exigentes. Sim, senhores, para esse projeto, vai ser preciso pensar em árvores, em emissões de gases de efeito estufa, em produção de calor."

Uma médica intervém. “Eu sou médica. Já nasci com algo de socialismo. Com o tempo, o socialismo assumiu em mim novas dimensões. É verdade que hoje estamos mais preparados do que antes, mas isso não tem nada a ver com diplomas. Estamos mais preparados porque estamos mais despertos. O fato de ser médica, engenheira, arquiteta tem pouca importância. É preciso ouvir a comunidade porque não dá pra dizer amém a tudo o que nos propõem."

A mulher loura que, no começo da reunião, havia tentado levantar a massa com lemas revolucionários levantou-se e disse: “Sou porta-voz de um Conselho Comunal. Já fui revogada 5 vezes e reeleita 10! Sou revolucionária e venho de uma família onde havia comunistas e fascistas. É verdade que há burocratas contra-revolucionários, que não levam em conta os Conselhos Comunais. Mas Chávez disse: ‘Lutem pelos seus direitos!’ Pois bem, é o que nós vamos fazer!”

O burocrata chefe limitou-se a dizer: “Sim, nós vamos escutar vocês”.

A delegada do PSUV disse-lhe: “Voltem aqui com um projeto mais humanista”.
“Sim – diz o burocrata- e a comunidade será leva em conta na criação de novos empregos”. Um jovem fez a última intervenção.


“Si estamos em Socialismo, a comunidade deve se apropriar do projeto, saber que impactos ele pode ter sobre seu conjunto!”

Mais vermelho de vergonha que de ideologia, o burocrata chefe lançou à multidão: “Pátria, Socialismo ou Morte!”

E foi admoestado uma última vez. “Não! Como você está por fora ! O lema mudou. Agora é : Pátria Socialista ou Morte !"

A reuniao com o CSB chegou a seu termo, mas 70% dos presentes continuaram na sala para discutir sobre as festividades do Bicentenário da Independência. E a nova reuniao começou por uma autocrítica.

“Nós criticamos as instituições. Muito bem. Mas nós também cometemos erros." Outra senhora sugere. "Para a festa do Bicentenário, vamos insistir sobre o caminho rumo ao Socialismo para uma vida melhor.” As proposições se sucedem.


“O presidente nos convidou à grande cerimônia do dia 19. Vamos adiante então e façamos nossa festa no dia 20. Abril daquelas e daqueles que lutam. Abril, mês dos livros, da consciência, da construção do Socialismo.”

“Devemos pensar nos presentes para as crianças.”

“E a todos os aspectos da programaçao: fotos, poesia, origami, os contadores, a preparação para terremotos, as marionetes, o teatro, as discussoes sobre o câmbio climático, os desenhos de figuras do Bicentenário. ”

“Não esqueçamos as atividades ‘Cuidado com a Televisao’ e ‘Encontro com as mulheres palestinas’”.

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Para ler os outros relatos, é só clicar em:
Relato 1
Relato 2

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Relatos de um brasileiro na Venezuela Bolivariana - 2

Dando continuidade à publicação dos relatos do meu amigo Emerson Xavier à Venezuela.

O primeiro pode ser lido aqui

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Não estávamos em condições de dormir dentro do ônibus. Teria sido de grande imprudência, pois nossos motoristas precisavam de um verdadeiro repouso para levar-nos com segurança a bom porto. Seria ainda maltratar inutilmente nossos corpos envelhecentes. Paramos pois no primeiro hotelzinho do primeiro povoado na saída da Grande Savana. Em meu quarto, tentei em vão captar Venezolana de Televisión, o canal do Estado, que enfrenta a mídia privada e sua desinformação permanente.

Eu podia captar perfeitamente um canal da República Dominicana, dois canais privados que difundem às vezes apelos mal disfarçados ao assassinato do presidente da república (isso, eu vi e ouvi; ninguém me contou), canais estadunidenses e até mesmo da Colômbia, país que recentemente invadiu o espaço territorial venezuelano, matando dois de seus soldados! Mas me foi impossível captar o canal de Estado.

No entanto, toda a grande mídia do planeta, inclusive brasileira, fala de uma Venezuela sem liberdade de expressão, onde os espaços democráticos diminuem a cada dia. Pergunto-me como é possível mentir tão descaradamente.

Dormir estendido numa cama fez-me um grande bem. Levantei-me assaz disposto. Mesmo sem fome, fui ter com membros da equipe que tomavam seu desjejum numa padaria de propriedade de uma venezuelana originária da Ilha da Madeira. Ao perceber meu bótom bolivariano, a gentil senhora me tratou de louco e de imbecil, demonstrando assim todo o seu civismo, sua grande sensibilidade e sua nobreza de espírito. Respondi apenas com sorrisos.

Seu aparelho de televisão estava ligado em Venevisión, um canal que participou abertamente do golpe de Estado de 2002, diretamente responsável, como os outros canais privados, de dezenas de assassinatos. Venevisión é o perfeito exemplo da falta de liberdade de expressão que grassa nesse tipo de mídia.

É bem verdade que este canal renunciou às campanhas de ódio desmedido, como aquelas ainda feitas pelo canal Globovisión, mas, na verdade, seu militantismo de extrema-direita tornou-se apenas menos descarado. A reportagem matinal tratava das atividades do governo e da oposição na véspera, dia 27 de fevereiro, data fatídica do começo da explosão social reprimida pelo governo Carlos Andrés Perez, em 1989, e que fez milhares de vítimas fatais.

"Ontem, em Caracas, partidários do governo se reuniram para lembrar os eventos conhecidos como ‘o Caracazo’ – disse, lacônico, o apresentador robô. Durante alguns segundos, podia-se ver e ouvir um trecho do discurso do presidente. A reportagem não dizia que os « partidários do governo » eram centenas de milhares. Tampouco lembrava aos seus telespectadores que o ‘Caracazo’ havia sido um massacre de civis praticado pela atual oposição, quando esta era governo.

Carlos Andrés Perez, vulgo CAP, grande amigo de Fernando Henrique Cardoso, acabara de ser reeleito presidente com um programa que prometia maravilhas. Mal foi investido em suas funções, CAP assumiu o programa ditado pelo Fundo Monetário Internacional e aumentou os preços dos produtos de base, alguns em até mais de 300%, tornando impossível a sobrevivência de milhões de venezuelanos. As pessoas saíram às ruas, improvisaram micro assembleias e passaram a tomar com suas próprias mãos o fruto de seu trabalho. Segundo o professor Luis Britto García, grande intelectual venezuelano, o Caracazo, também chamado Sacudón, foi uma revolta contra a sacro-santa propriedade privada. CAP reprimiu a revolta com um banho de sangue. A polícia política e parte das forças armadas atiravam em tudo o que se mexesse, matando entre 3 e 10 mil pessoas. Nunca se saberá ao certo o número de vítimas.

Quando a ordem foi restabelecida, as mídias se felicitaram mutuamente e aplaudiram a ação restauradora do governo. O Caracazo está na origem da Revolução bolivariana, um movimento democrático liderado por Hugo Rafael Chávez Frías. Outros massacres haviam sido antes cometidos pela atual oposição venezuelana, pelos inimigos de Chávez : Cantaura, Yumaré, Retén de Catia, Amparo e tantos outros. Entre 1958 e 1998, aqueles que a grande mídia apresenta como democratas oprimidos por um malvado ditador (que ganha uma eleição atrás da outra) causaram a morte de cerca de 10 000 opositores políticos. Muitas dessas vítimas eram drogadas e depois jogadas vivas ao mar.

Estas operações, realizadas com a colaboração dos Estados Unidos, se reproduziram em outros países do continente. Na Venezuela, houve um Plano Condor avant la lettre. Ainda hoje há uma associação de vítimas dos governos venezuelanos do período 1958-1998, que a grande mídia e certos universitários chamam cinicamente de “o período democrático”.

Tentei fazer com que jornalistas canadenses encontrassem os membros desta associação. Um destes profissionais da comunicação, homem digno e acima de qualquer suspeita, foi impedido de abordar o tema por seus superiores para os quais “as pessoas daqui não se interessam por esse tipo de tema”. Ignorância ? Estupidez ? Crueldade ? Cumplicidade fria com os piores horrores de nosso tempo ? Tudo isso ao mesmo tempo, acho.

Quanto aos outros jornalistas aos quais propus conhecer a mesma associação de vítimas do “período democrático”, eles tinham outra coisa a fazer, ora!

Mas, voltemos à nossa cara Venevisión. Depois do minuto reservado aos “partidários do governo", os jornalistas reservaram 2 minutos para cada bando de uma oposição dividida em grupúsculos ultra fascistas. No total, 8 minutos para os herdeiros políticos dos autores de massacres de civis contra 1 minuto para um governo democrático várias vezes eleito. Quanta objetividade! Mas isso não foi tudo. Em seguida, vieram os « analistas », todos 100% de acordo com os grupos de oposição. Esta é a objetividade do canal Venevisión, que esta mesma oposição ao governo bolivariano acusa de ser “vendido ao chavismo”. Não é pois de se estranhar que, sob um tal bombardeio midiático, cerca de 40% da população se disponha ainda a votar por seus antigos algozes.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Na Time: Lula é o cara!

Eu não sou fã da Time, nem do The Economist, do Wall Street Journal ou coisa que valha. O que eles publicam fica dentro do espectro liberal, no máximo keynesiano.

Também não sou fã dos Democratas estadunidenses ou dos Trabalhistas britânicos. Os primeiros apoiaram o golpe em Honduras e os últimos apioaram a invasão do Iraque.

Eu não são fã.

Mas a classe média brasileira é. O centro e a centro-direita aqui são. Os jornais, telejornais, blogueiros, colonistas, a zaga e todo o ataque do PIG adoram a Time, o The Economist, o Wall Street Journal, os Democratas estadunidenses e os Trabalhistas britânicos. Fazem de tudo pra paracer com eles.

E a maior liderança democrata diz que Lula é o cara. O PIG e a direita nacional ficaram sem ação.

E devem estar fazem fila pra pular da ponte estaiada com a última revista Time.

O analfabeto, iletrado, vagabundo, nordestino, despreparado e todos os adjetivos que o preconceito de classe permita foi indicado como 'o líder mais influente' da atualidade.

O navegante e meu amigo Leonardo me sugeriu que publicasse o texto da Time.

Não sou fã da Time, mas admiro Lula e Michael Moore.

Luiz Inácio Lula da Silva
por Michael Moore, para Time

Quando Lula foi eleito pela primeira vez em 2002, os barões da corrupção do país desesperadamente checaram os medidores de combustível de seus aviões particulares. Eles haviam transformado o Brasil em um dos países mais desiguais do planeta, e parecia ser a hora do troco. Lula, 64 anos, era um genuíno filho da classe trabalhadora sul-americana - na verdade, membro fundador do Partido dos Trabalhadores - que chegou a ser preso por liderar uma greve.

Lula finalmente ganhou a presidência, depois de 3 tentativas frustadas, ele era uma figura familiar no cenário brasileiro. Mas o que o levou à política? Foi seu conhecimento pessoal de quanto os brasileiros deveriam trabalhar duro apenas para sobreviver? Sendo forçado a deixar a escola depois da quinta série para sustentar a família? Trabalhando como engraxate? Perdendo parte de um dedo em um acidente na fábrica?

Não, foi quando ele tinha 25 anos e assistiu sua então esposa Maria morrer durante o oitavo mês de gestação, junto com o filho do casal, porque não podiam pagar por um atendimento médico decente.

Aqui fica uma lição para os bilinários do mundo: deixem as pessoas terem uma boa assistência médica, e elas causarão muito menos problemas para vocês.

E aqui uma lição para todos nós: a grande ironia da presidência de Lula - ele foi reeleito em 2006 e deixará o cargo este ano - é que assim como ele tenta impulsionar o Brasil para o primeiro mundo com programas sociais do governo como Fome Zero, criado para acabar com a fome, e com planos para melhorar a educação acessível à classe trabalhadora brasileira, os Estados Unidos se parecem mais com o terceiro mundo a cada dia.

O que Lula quer para o Brasil é o que chamamos de sonho americano. Nós aqui nos Estados Unidos, pelo contrário, onde os 1% mais ricos detém mais riquezas do que os 95% mais pobres da população juntos, estamos vivendo em uma sociedade que está rapidamente ficando mais parecida com o Brasil.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Relatos de um brasileiro na Venezuela Bolivariana - 1

Cumprindo promessa feita em postagem anterior, trago informações sobre a Venezuela que não serão encontradas no PIG.

Emerson Xavier da Silva, além de grande amigo, é membro fundador da Sociedade Bolivariana do Québec. Brasileiro, nascido na Paraíba, criado em Pernambuco e tendo morado no Rio, mora há 10 anos no Canadá, onde trabalha como tradutor, tradutor-intérprete (português, francês, espanhol, italiano, inglês e catalão) e professor de português, francês e espanhol. Faz jornalismo nas horas vagas e é co-autor, com o fotógrafo canadense Éric St-Pierre, de livros sobre o comércio justo (Le commerce équitable. Quand les hommes défient le marché, Le Tour du Monde Équitable).



Em 1998, Emerson dividiu com o jornalista canadense Pierre Duchesne o grande prêmio da Comunidade de Rádios Públicas de Língua Francesa, com uma reportagem sobre o trabalho escravo na Amazônia brasileira. Este prêmio abriu-lhe portas para a atuação jornalística naquele país. Desde então, Emerson tem participado em diversas produções radiofônicas, televisivas e na imprensa escrita de língua francesa do Canadá.

É ainda porta-voz mundo afora da Sociedade dos Povos pelo Ecodesenvolvimento da Amazônia, trabalhando intensamente para abrir mercados para o guaraná nativo e outros produtos amazônicos produzidos pela nação Satéré-Mawé (o povo do guaraná) e por seus aliados caboclos organizados em cooperativas. Encontra-se atualmente na Venezuela, onde visita cooperativas de produtores agrícolas e aproveita para enviar relatos do quotidiano de um país em plena Revolução.

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Não precisei puxar conversa sobre política com o taxista que me levou ao meu hotel a partir do aeroporto Eduardo Gomes. Ele mesmo lançou o debate, desejoso de ouvir algum discurso que o confirmasse em sua firme intenção de votar em Dilma Roussef nas próximas presidenciais. “Temos de continuar com o Lula”, insistia ele, com convicção. Ao saber que pretendia ir em breve à Venezuela, o moço já não manifestava o mesmo entusiasmo.

- Isso pode ser perigoso, com as palhaçadas do Chávez. Essa história de fechar televisões...

Tive de gastar muita saliva para explicar àquele simpático profissional que na verdade nunca houve nenhum fechamento de nenhuma televisão por parte de Hugo Chávez ou seu governo. Aconteceu o contrário. Foi a oposição a Hugo Chávez que fechou, manu militari, um canal de televisão quando do golpe de 2002, que deixou dezenas de mortos. Foi também esta mesma oposição que fechou uma tevê comunitária, confiscando-lhe inclusive todo o seu material, meses depois. Uma mentira repetida pode acabar se tornando uma verdade, pregava o propagandista maior do nazismo. Goebbels diria ainda: “Caluniai, caluniai, sempre sobrará alguma coisa.” Embora aberto às novas informações que trazia, o taxista concluiu a conversa com seu próprio testemunho ocular da Venezuela. “Recentemente, fui à Santa Elena de Guairén, na fronteira. Lá, todo mundo está com muita raiva do Chávez. E agora, com a desvalorização do bolívar, dizem que a cidade está totalmente desabastecida.”

Em Manaus, busquei contato com meus companheiros da Sociedade dos Povos para o Ecodesenvolvimento da Amazônia. O dr. Maurizio Fraboni, organizador do comércio justo de guaraná na França e na Itália, solicitou-me de imediato que participasse de uma reunião com Raimundo Nonato, presidente da Acopiama (Associação de consultores e pesquisadores indigenistas da Amazônia) e professor de antropologia da Universidade Federal do Amazonas, UFAM.

Nonato desenvolve um trabalho de cooperação com a Universidade Indígena da Venezuela, UIV, que ele visita anualmente com colegas e estudantes. A ACOPIAMA é um dos principais parceiros do Projeto Guaraná, do qual sou porta-voz no Canadá há mais de 5 anos. Na sede de sua instituição, Nonato me esperava.

-Dentro de três dias, irei com minha equipe para a Venezuela. Será uma viagem longa, cansativa e não sem perigos. Vamos atravessar boa parte de nossa floresta, a reserva Waimiri-Atroari, a Grande Savana venezuelana, subir ao norte do Estado Bolívar e depois voltar a descer para tomar a estrada que nos conduzirá ao território da UIV.


O convênio entre a UFAM e a UIV é uma ambiciosa promessa de intercâmbios de informação. Indígenas e universitários brasileiros vão aprender e ensinar na UIV, em Tauca, e também indígenas venezuelanos viajam ao Brasil com o mesmo objetivo. A UIV tem suas peculiaridades. Todo o ensino é centrado na práxis. Dez etnias fazem parte do projeto. As aulas matinais incluem exposições, pesquisas por internet, discussões, aprofundamento de temas candentes. À tarde, há uma aplicação prática do que tiver sido estudado. Esta aplicação é novamente discutida para que haja novos aprofundamentos. Para seus coordenadores, esta metodologia é a mais adequada à visão de mundo das comunidades autóctones. O estudo parte da realidade concreta dos indígenas, contempla a preservação florestal e não obedece a um currículo pré-estabelecido.

Há também um trabalho na área de piscicultura. Em 2006, os alunos da UIV produziram duas toneladas de peixe, que foram vendidas nos mercados da cidade mais próxima. A idéia de ampliar a educação superior indígena vem fazendo seu caminho. Em 2009, indígenas de diversos países (Chile, Equador, Venezuela, Estados Unidos, Bolívia) e dos Estados brasileiros de Roraima, Amazonas e Pará, reuniram–se na Amazônia brasileira para discutir os rumos desse ensino superior.

O objetivo específico dessa missão liderada por Nonato é o ensino de técnicas do Sistema de Informação Geográfica para que os estudantes da UIV possam mapear suas comunidades identificando seus respectivos recursos.
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Longe de albergues, passamos a primeira noite à beira da estrada. Os motoristas estavam exaustos e teria sido perigoso continuar em tais condições. As chuvas preenchiam os numerosos buracos da estrada, impedindo qualquer discernimento. A prudência ordenou-nos o repouso. Cada um teve de encontrar a posição que menos lhe destruísse a carcaça.

Em Roraima, o culto ao progresso é uma religião realmente levada a sério. Em toda parte, painéis publicitários mentirosos (uma tautologia?) celebram a “grande contribuição do agronegócio para o desenvolvimento do Estado.” Ao lado de publicidades de diferentes marcas de arroz, painéis instalados por associações políticas proclamam: “Eles nos tomaram a Raposa do Sol. Agora, eles querem nos tomar a Serra da Lua.” O ódio contra nossos irmãos autóctones é cuidadosamente cultivado pelos destruidores da terra, os apóstolos do desenvolvimento.

A população que ali encontrávamos era em maioria oriunda do Nordeste, homens e mulheres fugiram da seca e da opressão de latifundiários e se instalaram na Amazônia cultivando o sonho de uma vida melhor. De uma manipulação de coronéis a outra, na Amazônia, essas pessoas acabam se tornando agentes do “progresso” contra a “selvageria dos índios”. Foi com dor que constatamos em toda parte, em povoados pobres e em restaurantes, a multiplicação de emblemas com as cores da bandeira nacional com a inscrição: “Vergonha! Eles nos tomaram a Raposa do Sol”. O trabalho sujo de patrões de imprensa e seus cúmplices é ainda eficaz. Em Roraima ou alhures, conseguem fazer com que pobres de beira de estrada se identifiquem a ricos fazendeiros ligados a transnacionais do agronegócio.
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A Grande Savana venezuelana remeteu-me à minha pequenez humana, à minha insignificância de ser frágil e efêmero em meio a tantas maravilhas da Criação. Planícies e montanhas a perder de vista e, dominando o horizonte, o monte Roraima. Estes grandes espaços inefáveis levam-nos a mergulhar em estado de meditação. Senti-me invadido por uma certeza: estas imensidões em que não percebemos cidades ou povoados são dotadas de consciência mineral, pois essas montanhas são seres vivos, anunciadores de verdades que poucos humanos podem compreender.

O sol já nos havia deixado e estávamos ainda na Grande Savana quando a fome ordenou-nos uma parada. Não havia restaurante na primeira comunidade que encontramos pelo caminho. Todos os habitantes ali pertenciam à etnia Pemon. Vendo meu bótom bolivariano, o jovem vendedor de artesanato lançou-me em forma de adeus: "Aqui somos todos bolivarianos!"

Santa Elena era apenas uma lembrança... ou quase. Em diversos pontos da estrada, podíamos ver cartazes com as inscrições: "Não à invasão de Santa Elena!” ou “Senhor prefeito, detenha a invasão de Santa Elena!” Mais tarde, nos explicariam que se tratava de um protesto contra ricos de Santa Elena, que tentam se apropriar de territórios pertencentes aos autóctones.

Continuamos nossa viagem. De repente, percebemos um grande salão cheio de gente, que acreditamos ser um restaurante. Estacionamos nosso ônibus e descemos. Fomos recebidos com transbordante gentileza.

- Queiram nos desculpar, senhores, senhora, mas isso não é um restaurante, mas um encontro familiar do povo Arekuna. Vocês encontrarão um restaurante a poucos quilômetros daqui. Antes que vocês partam, no entanto, temos algo a lhes anunciar. Estamos aqui celebrando a realização iminente da grande profecia de Auká, aquela da união das quatro raças, que terá lugar aqui, na Grande Savana venezuelana. Os vermelhos, os amarelos, os brancos e os negros formaram em breve uma só humanidade reconciliada.

Voltávamos ao nosso ônibus quando o ancião nos chamou outra vez: “Se vocês estão passando agora aqui, na Grande Savana, é que vocês também fazem parte da profecia de Auká."

Estávamos ainda sob o choque de tal experiência quando chegamos ao lugar indicado pelo ancião Arekuna. Um restaurante popular e um outro mais luxuoso, albergues e algumas casas compunham a paisagem humana. Todos os habitantes eram Arekuna e todos os visitantes pertenciam às outras raças destinadas a viver a união definitiva de nossa espécie.

No pequeno restaurante em que tomamos assento, um grande cartaz celebrava a realização da grande profecia.

O pessoal que fazia seu trabalho com evidente frenesi, todos eram Arekuna de todas as idades, gente dotada de uma beleza fora do comum. Seus generosos sorrisos exibiam belos e íntegros dentes. Eram pessoas visivelmente felizes e bem-alimentadas.
Antes de nos apresentar o rico cardápio, dois garçons ainda adolescentes fizeram questão de nos falar da profecia de Auká.

- Nosso profeta morreu há 120 anos, mas jamais esquecemos a sua mensagem. Vocês já ouviram falar do filme ‘2012’? Esse filme está errado. Não será o fim do mundo, mas o fim deste mundo de guerras e conflitos. A Grande Savana venezuelana é um lugar sagrado. O profeta Isaías já falava da Venezuela, que ele chamava ‘A rainha do Sul’ em seus escritos. Jesus corroborou suas palavras. Ele sabia que um dia a Venezuela existiria para desempenhar um papel fundamental na redenção da humanidade.

-Vejam esse mapa de nosso país. Não estão vendo a silhueta de uma mulher?

- Claro! – respondi eu, embora não visse nada.

- Eis porque Isaías falava da Rainha do Sul. A união das quatro raças terá lugar apenas depois da rebelião dos povos. Há vários sinais disso. Chávez mudou a posição do cavalo em nosso símbolo nacional. Antes, ele cavalgava rumo à direita. Agora, ele cavalga rumo à esquerda. Auká já havia previsto que isso aconteceria.

-Chávez faz parte então dessa profecia?-perguntei.

-Claro, respondeu o adolescente Arekuna, mas ele está ainda adormecido pela Razão.


-Digam isso a ele, então!


-Já dissemos. Mandamos tudo isso pra ele, todos os documentos. Ele já sabe, mas não pode ficar muito adiante do povo. Toda precipitação seria nociva. É preciso que o povo se levante primeiro.

Algumas moças, belas como princesas índios de mitos fundadores, discutiam com membros de nossa equipe. Elas lhes atribuíam novos nomes a partir de sua lógica cultural. Também eu quis ter a honra de receber um novo nome dado pelo povo do profeta Auká. Aquela que me pareceu a mais bela do grupo (que difícil escolha!), escreveu meu nome sobre um guardanapo e disse:

-Você é IKPAI CHIKPOI PUN: aquele que não tem cabelos na cabeça!